02 outubro 2025

MODELO CHINÊS

 

Colossos de Dados: quando o livre mercado já não basta

Nos últimos anos, multiplicaram-se pelo mundo projetos de data centers colossais – instalações que consomem tanta energia como uma cidade média e ocupam hectares inteiros. Estes gigantes digitais são a infraestrutura invisível da era da inteligência artificial, da computação em nuvem e do streaming. Mas há uma realidade que raramente se assume: nenhum destes centros pode ser construído sem a bênção e a cooperação estreita dos governos.

Energia, água e licenças: o tripé inevitável

Um “hyperscale data center” pode exigir centenas de megawatts de eletricidade – algo que só uma rede nacional pode fornecer. Além disso, muitos recorrem a milhões de litros de água para arrefecimento. Por isso, qualquer projeto desta escala obriga a negociar com entidades públicas: operadores de rede elétrica, municípios para o uso do solo, ministérios do ambiente para estudos de impacto, autoridades fiscais para regimes especiais.

O mito de que gigantes tecnológicos “avançam sozinhos” cai por terra perante a realidade. O livre mercado, com as suas negociações dispersas entre empresas privadas, não funciona aqui: a escala força sempre a presença de um ator centralizador – o Estado.

Exemplos pelo mundo

  • Suécia: a Microsoft ergueu um dos maiores centros da Europa graças a isenções fiscais sobre energia aprovadas em lei nacional e à reserva de terrenos municipais.

  • Irlanda: o data center da Meta (Facebook) em Clonee só avançou após várias rondas de aprovação centralizada de planeamento e negociações com a EirGrid, a operadora estatal de eletricidade.

  • Estados Unidos (Virgínia): o chamado Data Center Alley, dominado pela Amazon AWS, deve-se à criação de zonas de uso específicoisenções fiscais multimilionárias e à expansão de linhas de alta tensão decidida por reguladores estaduais.

  • China (Guizhou): o governo central assumiu diretamente os custos de infraestruturas e impôs regras de localização de dados, transformando a região numa “Silicon Valley chinesa” das nuvens.

  • Singapura: foi ainda mais longe, impondo um moratório de três anos sobre novos projetos, só permitindo o regresso após compromissos de eficiência energética negociados com as big techs.

O paradoxo liberal

Nas democracias liberais, a teoria do livre mercado sugeriria que empresas privadas concorrem livremente e constroem segundo a sua capacidade. Mas quando falamos de colossos de dados, a escala e o impacto tornam inevitável negociar com uma entidade centralizadora única – o Estado.

Na prática, é uma forma de modelo chinês a proliferar no Ocidente: mesmo que a retórica seja de mercado livre, a realidade é de parcerias estratégicas, incentivos fiscais e regulação pesada.

O futuro da infraestrutura digital

Seja em Estocolmo, Dublin, Virgínia ou Singapura, a regra é a mesma: quem quiser erguer as catedrais digitais do século XXI precisa de uma aliança com o poder político. A globalização digital pode dar a aparência de autonomia, mas no terreno é a política energética, ambiental e fiscal de cada país que decide quem pode ou não construir.

O que se anuncia é uma contradição cada vez mais visível: o progresso tecnológico assenta em infraestruturas que já não obedecem à lógica liberal clássica, mas a um híbrido onde o Estado e as Big Tech caminham lado a lado – e onde, em muitos aspetos, a prática ocidental se aproxima do modelo chinês.

PS: Exemplos recolhidos pelo ChatGPT

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