12 setembro 2025

Vem aí o ESTADO SECURITÁRIO


Quando os Republicanos Fazem o Trabalho Sujo: o Risco de um Estado Securitário no Ocidente

Há um paradoxo que a história política insiste em repetir: as medidas mais duras contra as liberdades individuais raramente são impostas por partidos que deles se esperaria esse impulso. Pelo contrário, é quando forças políticas associadas ao liberalismo económico ou à defesa da liberdade assumem o poder que se abrem as portas a políticas securitárias de longo alcance.

Nos Estados Unidos, esse movimento está hoje de novo em marcha. A criminalidade violenta e a percepção de insegurança em muitas cidades criam terreno fértil para soluções “excepcionais”. E Donald Trump, já na Casa Branca, pode acabar por avançar com políticas que, em teoria, contrariam a tradição republicana: identidade digital obrigatória, reconhecimento facial generalizado, algoritmos preditivos de policiamento.

O precedente histórico

Não é a primeira vez que um partido de direita amplia os poderes de vigilância do Estado. Depois do 11 de Setembro, foi a administração republicana de George W. Bush a aprovar o Patriot Act, que abriu caminho a recolhas massivas de dados e escutas sem mandado. À época, a bandeira da “lei e ordem” permitiu legitimar medidas que, se viessem de um governo democrata, seriam acusadas de socialismo e controlo estatal.

É este o paradoxo: quando a opinião pública exige segurança, os partidos que se apresentam como campeões das liberdades individuais acabam, na prática, por ser os mais eficazes a restringi-las. É a lógica de “só Nixon podia ir à China”: só um republicano pode impor medidas anti-republicanas sem desencadear uma revolta imediata dentro da sua própria base eleitoral.

O mercado da vigilância

Neste contexto, várias empresas estão estrategicamente posicionadas para beneficiar de um eventual endurecimento securitário. À cabeça, a Palantir, fundada com apoio da CIA e hoje especializada em integrar e analisar grandes volumes de dados para defesa, inteligência e policiamento. A empresa já forneceu ferramentas ao ICE (controlo de imigração) e mantém contratos milionários com o Pentágono, o NHS britânico e, mais recentemente, com as Forças Armadas ucranianas.

Mas não está sozinha: a Clearview AI lidera na área do reconhecimento facial, a francesa Thales desenvolve soluções biométricas para governos, e gigantes como a Microsoft ou a Google disputam contratos de “cloud soberana” com agências estatais. Estas empresas veem nas identidades digitais, no rastreamento biométrico e na análise preditiva um mercado em expansão acelerada.

O exemplo chinês

O farol desta indústria é a China, onde sistemas de reconhecimento facial e de crédito social já são parte integrante da vida quotidiana. O Partido Comunista transformou tecnologias de big data em instrumentos de controlo social, garantindo estabilidade política ao custo da privacidade. Para muitos líderes ocidentais, pressionados pela criminalidade e pelo terrorismo, Pequim oferece uma demonstração prática: é possível manter ordem absoluta através da vigilância permanente.

O risco civilizacional

O problema é que medidas “excepcionais” raramente são temporárias. Uma vez instaladas, identidades digitais e bases de dados biométricas tornam-se demasiado valiosas para serem abandonadas. Tocqueville já alertava para o perigo de uma “tirania suave”, em que os cidadãos aceitam restrições em nome do conforto e da segurança.

O paradoxo repete-se: ao prometer restaurar a ordem, os republicanos podem ser os construtores de um Estado securitário duradouro. Fazendo, afinal, o “trabalho sujo” que os democratas dificilmente conseguiriam executar sem resistência.

E o Ocidente, ao tentar responder à insegurança, arrisca-se a dar um passo irreversível na direção do modelo chinês — com empresas privadas a lucrar onde os cidadãos perdem.

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