Sexo, poder e morte: a guerra como antídoto à juventude, a política como afrodisíaco tardio
E se invertêssemos a máxima clássica de Clausewitz — a de que a guerra é a continuação da política por outros meios — e a substituíssemos por uma ainda mais incómoda: e se tanto a guerra como a política fossem, no fundo, desdobramentos do sexo? A provocação pode parecer ousada, mas não carece de fundamento. Basta observar o comportamento das sociedades humanas ao longo da história: em tempos de guerra, quem morre são, invariavelmente, os jovens em idade reprodutiva. Em tempos de paz, quem governa são, invariavelmente, os velhos em idade de contar histórias. Um padrão curioso, não?
A guerra, sob este ponto de vista, cumpre uma função quase darwinista invertida: elimina concorrentes sexuais mais jovens, fisicamente mais aptos e com níveis hormonais em plena forma. É sempre mais fácil manter o monopólio do poder — e do prazer — quando os rivais potenciais são enviados para morrer longe. Nenhum presidente lidera uma invasão na linha da frente. Nenhum general comanda tanques aos vinte anos. A juventude serve a guerra, mas raramente a comanda — e paga o preço com o corpo.
Já a política funciona como um afrodisíaco institucionalizado. Como disse Kissinger, “o poder é o maior afrodisíaco” — e não faltam exemplos históricos que o confirmem. Berlusconi, Mitterrand, Mao, Trump: líderes que prolongaram a sua atratividade muito para além dos limites biológicos convencionais. O segredo não está nos seus genes, mas na sua capacidade de ocupar o centro do palco — e, com ele, de atrair não apenas votos, mas desejo. A política dá visibilidade, estatuto e recursos, três elementos-chave para a selecção sexual. Sob esse prisma, pode ser vista como uma versão sofisticada do cortejo animal, com menos penas coloridas e mais discursos inflamados.
Freud, como sempre, já tinha intuído algo semelhante. Para ele, o ser humano é movido por duas forças fundamentais: Eros, a pulsão de vida, e Tanatos, a pulsão de morte. A primeira constrói, seduz, procria; a segunda destrói, rompe, elimina. A guerra e a política seriam, então, formas organizadas de expressar essas pulsões — a primeira, com tanques e obuses; a segunda, com promessas e alianças. Georges Bataille, ainda mais provocador, via o erotismo e o sacrifício como duas faces da mesma moeda: transgressão, dissolução do eu, perda momentânea do controlo. A experiência do campo de batalha e a do orgasmo partilhariam, nesse sentido, um núcleo comum de intensidade.
A guerra seria, assim, a versão homicida da frustração sexual: quando já não se consegue conquistar pela dança, conquista-se pelo fogo. Quando o cortejo falha, bombardeia-se. A política, por sua vez, é o palco onde senhores de idade avançada podem competir em condições vantajosas por atenção, reverência e até amor — ao abrigo das regras de etiqueta, da imunidade diplomática e dos telepontos. Se o sexo é a semente da vida, a política é o adubo simbólico que tenta prolongar-lhe o efeito. E a guerra, por fim, é a poda brutal que elimina o excesso de vitalidade.
Esta leitura, ainda que carregada de ironia, convida à reflexão: quantas decisões “racionais” tomadas por líderes políticos não escondem, na verdade, motivações mais primárias? Quanto daquilo que chamamos “geopolítica” não será apenas coreografia ancestral de conquista, rivalidade e domínio?
Talvez não devêssemos levar tão a sério a retórica solene das guerras ou das campanhas eleitorais. No fundo, como já sabiam os gregos e os romanos, tudo isto tem menos a ver com ideologia e mais a ver com território — seja ele físico, simbólico ou carnal. E talvez por isso mesmo, por baixo dos hinos e dos tratados, o que se escuta ainda é o mesmo som antigo: o da competição por sobrevivência, descendência e prestígio.
No final, fazemos política para sermos amados, fazemos guerra para eliminarmos quem poderia sê-lo em nosso lugar — e chamamos a tudo isso civilização.
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