11 maio 2025

CUATRECASAS - Uma Máfia Legal (45)

 (Continuação daqui)

O momento, captado pelo cartoonista Fernando Arroja, em que o advogado Avides Moreira tira da pasta a autorização da Ordem dos Advogados para violar a privacidade da correspondência do seu cliente 


45. Matar o seu próprio doente

Quando me propus escolher uma palavra - uma só - que caracterizasse aquilo que tinha vivido na sala do Tribunal de Matosinhos, escolhi a palavra impostura. Mas, se pudesse utilizar outras, diria também aparência, solenidade, salamaleques, mentira, legalismo, formalismo.  Há duas palavras que eu nunca utilizaria para descrever aquilo que vivi naquele Tribunal, as palavras verdade e realidade. A verdade ou a realidade daquilo que se tinha passado e que conduzira àquele julgamento não interessava para nada naquele Tribunal. 

Houve apenas uma excepção. Foi quando o magistrado X interrogou o advogado Filipe Avides Moreira, que era o vice do Paulo Rangel na altura dos factos, e agora ele próprio se tinha tornado o director do escritório do Porto da Cuatrecasas. Mas essa excepção, em que a verdade, por hora e meia veio ao de cima, em breve seria submergida pelo formalismo, pelo salamaleque, pela impostura e pelo crime disfarçado de prática legal. E se eu viria a ser condenado por pôr em causa a relação de lealdade entre os advogados da Cuatrecasas e o seu cliente HSJ, este era o exemplo perfeito de que não se pode esperar lealdade de criminosos encartados.

Ao final da tarde de 4 de Abril de 2018 logo que cheguei a casa vindo do Tribunal escrevi no Portugal Contemporâneo um post com o título "matar o seu próprio doente": 


"A sessão de hoje (4ª) do meu julgamento estava prevista só para a tarde, entre as 14 e as 17 horas. A razão é que na sessão anterior, que estava prevista para o dia inteiro, o juiz foi destacado para um outro julgamento da parte da tarde, e fez transitar a sessão da tarde para hoje.

"Hoje, ocorreu outro imprevisto. Às 14:00 horas o juiz foi chamado para um julgamento sumário, e a sessão do meu julgamento só começou cerca das 15:20, terminando às 17:00.

"Foi, portanto, uma sessão muito curta. E foi totalmente preenchida com a testemunha Filipe Avides Moreira, actual director da Cuatrecasas-Porto, sub-director na altura dos factos e, como ele próprio admitiu, braço direito do então director Paulo Rangel.

"Foi interrogado pelo magistrado do MP, durante mais de hora e meia. Terá de comparecer outra vez na próxima sessão, marcada para 4 de Maio,  para depôr perante os advogados de acusação e de defesa. Foi, de longe, o interrogatório mais longo a uma testemunha desde que este julgamento começou.

"E porquê?

"Para responder a esta pergunta, eu talvez devesse começar por dizer que, à saída da sala de audiências, uma colega de profissão do Dr. Avides Moreira, que tinha assistido à sessão e a quem pedi para comentar o seu depoimento, me disse assim: "Hoje saio daqui enojada", e desandou Tribunal fora sem me explicar a razão.

"Fiquei a pensar na essência da mensagem que o Dr. Avides Moreira procurou transmitir ao Tribunal durante mais de uma hora e meia de interrogatório, e que motivava tão inusitada reacção da parte da sua colega de profissão, uma vez que é normal existir entre os advogados um espírito corporativo muito elevado.

"Cheguei à seguinte conclusão:

"A partir da segunda sessão do julgamento, tornou-se meridianamente evidente que os administradores do HSJ se conluiaram com os advogados da Cuatrecasas para boicotar a obra do Joãozinho. Esta evidência tornou-se ainda mais reluzente na sessão seguinte [a terceira].

"E que mensagem veio hoje o Dr. Avides Moreira passar ao Tribunal?

"Que o boicote à obra do Joãozinho foi feito pelos administradores do HSJ, sem qualquer intervenção ou participação da Cuatrecasas.

"Deve ser, de facto, muito penalizante para um advogado ver um colega a incriminar os seus próprio clientes. É como um médico ver um colega a matar o seu próprio doente".


A sessão seguinte, a quinta, seria a do "Grande Mistério", aquela em que o magistrado X não compareceu e a minha advogada - a "colega de profissão" a que me referia no post - praticamente renunciou à minha defesa.

Nessa  sessão, o Avides Moreira continuaria a depôr, mas agora vinha armado com dois documentos, que tirou da pasta. O primeiro era um e-mail que o seu cliente HSJ lhe tinha enviado, assinado pelo administrador Amaro Ferreira, e cujo conteúdo ele disse que iria revelar perante o tribunal. O segundo era uma autorização da Ordem dos Advogados para o fazer - uma autorização que ele, em termos espalhafatosos, foi depositar  na tribuna do juiz.

O objectivo da revelação era reiteradamente óbvio. Atirar a responsabilidade do boicote à obra do Joãozinho sobre o seu cliente HSJ, e afastar qualquer responsabilidade da Cuatrecasas, quer dizer, dele próprio.

Sentado no banco dos réus eu não podia acreditar no que estava a ver: "Então, este patife decide divulgar um e-mail do seu cliente e, em lugar de pedir autorização ao cliente, vai pedir a autorização à Ordem!?".

Aquilo que o advogado Avides Moreira da Cuatrecasas  tinha acabado de fazer era crime - crime de violação de correspondência privada. 

Mas teria sido ilegal?

Não, claro que não, a Cuatrecasas nunca comete crimes ilegais, a Cuatrecasas só comete crimes legais. É que o artº 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados, que é Lei no país, a certa altura, diz assim:

 4 - O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho regional respetivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respetivo regulamento. 

Por outras palavras, quando é para salvar a sua pele, o advogado pode violar a correspondência privada ou qualquer outra informação confidencial que lhe tenha sido fornecida pelos seu cliente.

A conclusão é que o crime cometido pelo advogado Avides Moreira da Cuatrecasas foi um crime perfeitamente legal, ele tinha de pedir autorização à Ordem, e não ao seu cliente, para divulgar a correspondência privada deste. Era a Ordem dos Advogados no seu melhor a branquear um crime cometido por uma grande sociedade de advogados - a Cuatrecasas.

Fica também uma lição deste episódio. Que nenhum criminoso que seja cliente da Cuatrecasas - e devem ser muitos -, se deixe iludir. Se algum dia os advogados da Cuatrecasas forem apertados, eles não hesitarão em incriminar o seu próprio cliente, que é a mão que lhes dá de comer. 


(Continua acolá)

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