13 janeiro 2025

Almirante Gouveia e Melo (58)

 (Continuação daqui)




58. A crise do Estado de Direito


Cristo, que nasceu judeu, veio substituir o Judaísmo, que é uma Religião de Direito - uma Religião de Leis, as Escrituras - por uma Religião de Pessoas, simbolizadas na sua própria Pessoa. Para o Judaísmo, Deus está em primeiro lugar nas Leis (Escrituras), para o Cristianismo Deus está em primeiro lugar nas Pessoas (Cristo, Virgem, Santos e todas as outras pessoas).

Na Igreja Católica, que é a mais antiga corrente do Cristianismo, Deus é simbolizado por uma Pessoa - o Papa -, não pela Bíblia.

A ideia do Estado de Direito, segundo a qual a autoridade suprema de uma sociedade humana é a Lei, é uma ideia distintamente judaica. Esta concepção judaica de que Deus está nas Leis (Escrituras), mais do que nas pessoas influenciou, decisivamente o protestantismo cristão no seu princípio Sola Scriptura, e foi daí que Portugal importou a concepção vigente do Estado de Direito.

Mas não é demais enfatizar que esta concepção de que são as Leis e não as Pessoas que devem constituir a autoridade suprema de uma sociedade não é uma concepção católica nem, por conseguinte, uma concepção portuguesa. Em relação a Portugal, o Estado de Direito é parte do "fato que não lhe serve".

No Inquérito à confiança das instituições organizado pela OCDE que tenho vindo a citar, os portugueses têm confiança máxima nas Pessoas e a confiança mínima nas instituições que estão relacionadas com as Leis - a Assembleia da República que as faz, o Governo que as aplica e os Tribunais que as julgam - e  ainda nos Partidos Políticos que estão no centro do moderno Estado de Direito Democrático (cf. aqui, Gráficos 6 e 7).

A mensagem é clara. Os portugueses confiam fortemente nas Pessoas e desconfiam de tudo o que diga respeito a Leis. Foi assim também com Cristo, as suas palavras mais duras  foram para com os Mestres das Leis, esses "hipócritas" que manipulavam as leis em proveito próprio e em prejuízo do povo.

Parece ser esta também a mensagem que o povo anónimo - uma espécie de "maioria silenciosa" do século XXI - exprime nas sondagens para a Presidência da República. O povo não acredita no Estado de Direito, o povo anda à  procura de um Papa, que substitua o Estado de Direito por um Estado de Pessoas.

O Almirante Gouveia e Melo é a personificação da crise do Estado de Direito em Portugal. 

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