13 dezembro 2024

Almirante Gouveia e Melo (XVIII)

 (Continuação daqui)




XVIII. Liberdade vs. Autoridade

É uma das estatísticas europeias mais reveladoras do contraste entre a cultura protestante, onde nasceu a democracia moderna, e a cultura católica, que tradicionalmente se opôs a ela. Refiro-me à idade média com que os jovens saem de casa dos pais: cf. aqui.

Num extremo, os países fortemente protestantes do norte da Europa, como a Suécia e a Dinamarca, onde os jovens abandonam a casa da família por volta dos 20 anos de idade. No outro extremo, os países fortemente católicos como Portugal onde os jovens abandonam a casa dos pais por volta dos 35 anos (na realidade, feitas as contas, já com idade para serem avós).

Esta estatística é indiciadora de duas importantes diferenças entre a cultura protestante e a cultura católica:

-o individualismo protestante, onde cada jovem se faz à vida  mais cedo, em contraste com o comunitarismo católico, onde cada jovem permanece no seio da comunidade familiar até muito mais tarde;

-o desejo de liberdade em relação à comunidade familiar do jovem de cultura protestante, em contraste com a submissão prolongada à autoridade familiar do jovem de cultura católica.

Foi este desejo protestante de liberdade em relação à comunidade que esteve na origem da moderna democracia política,  substituindo a autoridade da Igreja Católica na interpretação das Escrituras pela  liberdade individual da sua interpretação, que é típica do protestantismo.

Para os católicos é a autoridade (da comunidade) que é sagrada porque é pela autoridade da Igreja (ecclesia: comunidade) que se chega a Deus.  Para os protestantes é a liberdade (individual) que é sagrada porque é pela liberdade (de interpretação das Escrituras) que se chega ao mesmo Destino.

Para a cultura católica a liberdade traz consigo o potencial para muitos males e é a fonte de muitos pecados. Eis o que diz o Catecismo - que é o livro que contém a doutrina católica -, sobre a relação entre a liberdade e o pecado:

1739. Liberdade e pecado. A liberdade do homem é finita e falível. E, de facto, o homem falhou. Livremente, pecou. Rejeitando o projecto divino de amor, enganou-se a si mesmo; tornou-se escravo do pecado. Esta primeira alienação gerou uma multidão de outras. A história da humanidade, desde as suas origens, dá testemunho de desgraças e opressões nascidas do coração do homem, como consequência de um mau uso da liberdade. (cf. aqui)

Quer dizer, quando a liberdade individual, através do regime de democracia liberal, penetra num país de cultura católica como Portugal - como aconteceu com a Revolução de Abril - aquilo que se pode esperar é que, mais cedo ou mais tarde, o povo português só veja males como consequência da liberdade - imigração descontrolada, filhos a bater nos pais, maridos a bater nas mulheres, alunos a ameaçar professores, arruaceiros a agredir polícias, agentes da justiça a acusar inocentes, preguiçosos a viver à custa de quem trabalha, etc.

Para o povo de cultura católica esta é a consequência inevitável da liberdade - mal atrás de mal, pecado atrás de pecado, crime atrás de crime -, porque há séculos que ele é ensinado assim. 

Neste combate cultural entre a liberdade e a autoridade, num país protestante ganha a liberdade, que é o seu valor sagrado. Num país católico, acabará por ganhar a autoridade, que é o valor sagrado desta cultura - uma autoridade a que o povo aspira para pôr fim aos desmandos da liberdade.

É esse clamor cultural pela autoridade sobre a liberdade que está a tornar o Almirante Gouveia e Melo tão popular e o levará à Presidência da República. 

(Continua acolá)

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