“Morte negra” (mors nigra) foi uma designação que ficou consagrada à Peste, uma doença epidémica que, na Idade Média, arrasou a Eurásia com uma mortalidade que chegou a ultrapassar os 50%.
Chama-se Peste Negra porque instilava terror nas populações afectadas. A morte e a catástrofe económica eram deprimentes e o negro traduzia esse estado de espírito.
Muito antes da “mors nigra”, o negro já estava inscrito no coração humano como símbolo de perigo, de tragédia e de morte. Eu diria que desde que Adão e Eva foram expulsos do Paraíso.
A noite escura (negra) alimentou o medo durante milénios. Mesmo refugiados nas árvores os australopitecos não estavam seguros, os predadores cercavam-nos e se algum caísse era o fim. As crianças, de noite, sobressaltam-se e choram; herdaram um medo arquetípico que só o amanhecer esmorece.
A morte está intimamente ligada ao negro, por ser a última incerteza. Por isso buscamos Deus, porque só a luz salva.
A inevitável entropia também nos procura reduzir às negras cinzas de que nos esforçamos por fugir – arrenego Satanás, dirão alguns.
Este “imprinting” da alma expressa-se quando vestimos de negro, em alturas de dor e de perda, como nos funerais. Ninguém iria vestido de preto a um baptizado ou a um casamento — excepto o noivo, claro está.
Gengis Khan, o líder que fundou o Império Mongol e que massacrou milhões de pessoas, tinha umas noções de terror e foi o primeiro comandante militar a usar a guerra biológica.
Durante os cercos, Gengis Khan catapultava cadáveres de vítimas da peste para dentro dos muros das cidades para disseminar a doença nas forças inimigas. Imagino o pânico que esta táctica provocava quando os habitantes viam cair-lhes em cima os corpos das vítimas da pestilência, putrefactos e nauseabundos.
Quando dou os meus passeios com a Louise e me cruzo com dezenas de almas sofridas, nas suas vestes negras, penso que serão zombies que o Leviatã catapultou para a cidade para quebrar a vontade de viver dos últimos resistentes.
Estes zombies são mortos-vivos que transportam um agente mais mortal do que a yersinia pestis — o vírus da conformidade.
São pessoas que deixaram apagar, dentro de si, a chama da vida, a luz, o calor, o fogo e o sexo. Acreditam em tudo e mais as botas, entregaram a autonomia do corpo ao Estado e estão para o que der e vier.
São carne para canhão nas guerras que o Grande Satã espalha pelo mundo e o negro reflecte esse estado de alma:
— Negro é o símbolo último do niilismo — a cor do nada vale a pena porque a alma é pequena e a morte é certa.
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