(Continuação daqui)
234. As donzelas que eu desonrei
O acórdão Almeida Arroja v. Portugal refere-se a um caso em que está em confronto o direito à honra dos advogados da Cuatrecasas, incluindo a do seu director, e o meu direito à liberdade de expressão.
Os advogados consideraram a honra mais importante que a liberdade de expressão, e o mesmo aconteceu com todos os juristas que passaram pelo processo na qualidade de testemunhas, de juízes ou de magistrados do Ministério Público. A única excepção foi a juíza Paula Guerreiro do Tribunal da Relação do Porto.
Depois, quando o caso chegou ao TEDH, sete juízes (quatro mulheres e três homens), por unanimidade, consideraram que a liberdade de expressão valia mais do que a honra.
O que é que existe na cultura dos juristas portugueses que os parou na Idade Média e os leva a considerar o valor medieval da honra mais importante do que o valor moderno da liberdade de expressão?
Numa sociedade católica e tradicional como Portugal, o valor medieval da honra é um valor muito importante, sobretudo para as mulheres, como seria de esperar numa sociedade de cariz feminino.
Durante a minha adolescência nos anos sessenta do século passado, ainda se dizia de uma rapariga que perdera a virgindade que tinha sido desonrada. Se isto era uma tragédia em tempos tão recentes quanto esses, imagina-se o que seria na Idade Média. Uma menina que tivesse sido desonrada por um mancebo que não casasse com ela, tinha a vida desgraçada para sempre. Ninguém lhe pegava.
Hoje já não existem donzelas desonradas no país, mas na cultura conservadora de Portugal a honra foi conservada como um valor importante, sobretudo entre os juristas, como se pode ver a seguir:
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Dir-se-ia que se trata de uma citação do Estatuto da Ordem dos Advogados do século XVI. Mas não, é uma citação do Estatuto da Ordem dos Advogados na sua mais recente versão, que data precisamente deste ano de 2024. (cf. aqui).
Mostra como o valor medieval da honra, que já não é um valor importante para as donzelas, continua a ser importante para os advogados. A esta luz, eu cometi um crime gravíssimo - desonrei advogados.
Os exemplares modernos das donzelas desonradas estão agora na advocacia, com a curiosidade de que só metade delas são do sexo feminino, o que torna o meu crime ainda mais hediondo e, aos meus próprios olhos, para além de qualquer perdão.
É que as donzelas que eu desonrei eram todas homens.
(Continua acolá)
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