EBM
A medicina baseou-se sempre na melhor evidência possível até aparecer a Medicina Baseada na Evidência (EBM).
A EBM foi apresentada aos médicos (1996) e leigos como um novo paradigma científico, como uma nova abordagem ao método de estabelecer diagnósticos, prognósticos e terapêutica. Na sua essência a EBM assenta em estudos clínicos randomizados (RCT’s) que comparam, de modo duplamente cego, o resultado de intervenções médicas num grupo-alvo com um grupo de controle.
Os promotores proclamaram a superioridade da EBM face à medicina baseada na fisiopatologia e na experiência clínica e alcançaram um sucesso notável de divulgação. Tão notável que o número de publicações médicas que reclamam a sua fidelidade à EBM explodiu nos últimos 20 anos.
Em artigos que tenho vindo a publicar desde 1998, tenho alertado para que a EBM não é um novo paradigma científico, nem profissional, e que a desvalorização dos conhecimentos fisiopatológicos e da experiência clínica é um erro crasso. Os RCT’s são úteis mas não constituem os alicerces da medicina.
Propus mesmo o seguinte princípio: “O resultado de RCT’s contrários aos conhecimentos fisiopatológicos não devem ser admitidos como evidência suficiente para elaborar normas clínicas”.
O doente que se apresenta numa consulta raramente se enquadra nos critérios dos RCT’s, que procuram estudar varáveis isoladas. O mais frequente é terem múltiplos problemas e necessitar de uma abordagem personalizada, que também deve ter em conta o resultado de estudos empíricos.
A natureza dos conhecimentos fisiopatológicos deriva de uma abordagem experimental e não empírica. O método experimental está subordinado à observação, interpretação e dedução, enquanto o método empírico recorre à indução. O primeiro é característico das ciência exatas e o segundo das ciências sociais.
A medicina não é uma ciência, é uma profissão. Contudo, tem as suas fundações nas ciências exatas e, definitivamente, não é uma ciência social. A EBM deve ser integrada com prudência.
A tragédia da Covid deve-se, em certa medida, ao abuso da EBM e à desvalorização da medicina tradicional.
Quando a epidemia se iniciou aceitou-se de que se tratava de um vírus novo, para o qual não tínhamos imunidade. Aceitou-se que desconhecíamos as vias de transmissão e a eficácia das medidas de prevenção. Aceitou-se ainda que não existiam medicamentos que poderiam ser eficazes “off-label” e que era urgente desenvolver uma vacina.
Tudo porque não existiam estudos empíricos para o SARS-CoV-2. A medicina tradicional, porém, conhecia bem os coronavírus, o seu modo de transmissão e as medidas de prevenção e tratamento. Contudo, foi ignorada.
Os médicos que se opuseram à “narrativa da tábua rasa à espera de estudos empíricos” foram ridicularizados. Na ausência de estudos empíricos a medicina tradicional tinha perdido valor.
A medicina tradicional valorizou sempre a EBM, como mais uma ferramenta. A EBM porém desvalorizou a medicina tradicional e, durante a Covid, demonstrou que ignorar 2000 anos de conhecimentos e de experiência médica, para além de hubris, é uma via acelerada para um fiasco monumental.
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