(Continuação daqui)
6. Já existe?
Um economista que eu respeito, escreveu-me hoje a argumentar que o imposto especial sobre a Banca que eu defendi nesta série de posts já existe e em duplicado, referindo-se às contribuições da Banca para o Fundo de Garantia dos Depósitos (cf. aqui) e para o Fundo de Resolução (cf. aqui).
A objecção não é inesperada porque eu próprio decidi deliberadamente omitir qualquer referência ao FGD e ao FR, a qual só iria lançar ruído sobre o argumento sem o afectar, e muito menos destruir.
Nunca falei de um "seguro dos depósitos" porque considerei que esse problema estava largamente (embora não totalmente) resolvido através do FGD. Falei de um "seguro dos capitais próprios", mas não do FR, porque, para esse efeito, o FR é totalmente irrelevante, por se tratar de um Fundo falido.
O meu propósito agora é precisamente demonstrar estes dois pontos.
O Fundo de Garantia dos Depósitos existe desde 1992 e destina-se a indemnizar os depositantes até ao montante máximo de 100 mil euros em caso de falência de um banco, e é financiado por contribuições dos bancos do sistema.
A questão é a seguinte. Na situação de uma crise bancária, se os activos do FGD forem insuficientes para indemnizar os depositantes - e esta é uma possibilidade acrescida pelo facto de ser expectável que a crise afecte também os activos do FGD - quem é que é chamado a cumprir a promessa perante os cidadãos de que os seus depósitos estão seguros até ao montante de 100 mil euros?
O Estado, significando que a existência do FGD não retira o carácter segurador do Estado sobre o risco de perda dos depósitos. Apenas o atenua.
Quanto ao FR, e a despeito dele, o carácter segurador do Estado permanece num grau ainda mais elevado do que no caso do FGD.
O FR foi criado em 2012 e é uma das boas lições saídas da última crise financeira, porque revela com a necessária transparência o dinheiro que o Estado enterra em bancos resolvidos (falidos, como o BES, ou em Estado de insolvência e que são absorvidos por outros, como o Banif).
Este Fundo é financiado por contribuições da Banca, mas estas contribuições destinam-se a compensar ex-post o dinheiro que o Estado gastou com a resolução dos bancos. As contas do FR são reveladoras a este respeito (cf. aqui).
No final de 2022, o FR tinha capitais próprios negativos de sete mil milhões de euros, quase tudo dívida ao Estado pelo dinheiro que este meteu em bancos resolvidos. Neste ano, as contribuições da Banca para o FR foram de 180 milhões de euros. Quer dizer, a este ritmo, a Banca vai demorar quase 40 anos a ressarcir o Estado do dinheiro que este gastou na resolução dos bancos durante a última crise financeira (a maior parte no BES e no Banif).
Agora, a pergunta. Se amanhã existir uma nova crise financeira, quem é que segura os Bancos, o Fundo de Resolução?
Não, porque o FR está tecnicamente falido. Será o Estado a injectar dinheiro novo na Banca, aumentando a dívida do FR ao Estado. E se a dívida actual já demorará quase 40 anos a ser ressarcida, no caso de ela ser aumentada talvez só na eternidade os bancos, ao ritmo actual das suas contribuições, a venham a pagar na totalidade.
Quer dizer, não obstante o FR, o Estado permanece como segurador dos bancos contra a insolvência.
O imposto sobre a Banca que foi aqui defendido é um imposto especial porque em relação a nenhum outro sector o Estado actua como segurador contra a insolvência. É um imposto que procura reproduzir um "prémio de seguro" e que em lugar de imposto poderia perfeitamente chamar-se "prémio de seguro".
Deve incidir sobre os capitais próprios porque estes representam uma medida estável do valor dos bancos segurados (uma alternativa seria a sua capitalização bolsista, mas esta é uma medida muito volátil do valor dos bancos e nem todos os bancos estão cotados em Bolsa).
O único momento em que a consideração do FGD e do FR intervém no argumento é na recomendação da taxa do imposto. Eu recomendei 0,5% a 1%. Sem o FR e, especialmente, sem o FGD, teria recomendado pelo menos o dobro: 1% a 2% de imposto sobre os capitais próprios dos bancos.
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