Um serviço "gratuito" fabrica doentes
Um Serviço Nacional de Saúde (SNS) “universal, geral e (tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos) tendencialmente gratuito” tem grande propensão para fabricar doentes, em vez de proteger a saúde.
Um breve exemplo permite demonstrar este risco. Imaginemos um supermercado a fornecer gratuitamente de tudo a todos. A clientela iria enfardar-se dos mais variados produtos, especialmente dos que mais prejudicam a saúde e, com toda a certeza, teríamos uma epidemia de obesidade mórbida.
A despesa com a alimentação, se fosse financiada pelo Estado, iria disparar e o objectivo de garantir uma alimentação adequada iria culminar num resultado contrário.
Passa-se algo de muito parecido com o SNS. O cidadão, catalogado de utente, entra num hospital e fica deslumbrado com as “prateleiras”. Ele veio para uma consulta de rotina, mas quando leu Gastroenterologia lembrou-se de que por vezes tinha azia e de que um médico lhe tinha dito que o refluxo pode dar sintomas muito parecidos com a isquemia do miocárdio, pelo “sim e pelo não” o melhor é ir à Gastro e também à Cardiologia.
Claro que não é ele que decide percorrer as capelinhas todas da instituição, mas quem é o médico que vai recusar “tirar a limpo” os sintomas do utente?
Esta amplificação da assistência, no âmbito do SNS, tem a sua mais inegável prova no excesso da prescrição médica. Especialmente de sedativos e de antidepressivos.
Nestas duas categorias, Portugal aparece sempre, “honrosamente”, nos 3 primeiros lugares do cadastro europeu do consumo de psicotrópicos. 15% da população toma antidepressivos e 20% toma sedativos.
Passa-se quase o mesmo com o restante receituário. Há uma regra de ouro na farmacoterapêutica que contraindica, sempre que possível, evitar mais de 5 medicamentos em simultâneo. Quase que dá vontade de rir ou de chorar porque, no nosso SNS, o número de doentes a tomar mais de 12 medicamentos é uma banalidade.
Se tivessem de os pagar integralmente, desconfio que os utentes, agora transformados em clientes, seriam muito mais criteriosos.
É possível fazer revisões terapêuticas e reduzir o número de medicamentos prescritos, mas... isso dá muito trabalho. E não ia ser do agrado da “Big Pharma”, não é?
Um facto muito importante que é necessário destacar: 30% das idas às urgências têm sido relacionadas com complicações da polimedicação.
É assim, portanto, que podemos concluir que o atual modelo do SNS falhou e em vez de proteger a saúde também se dedica a fabricar doentes.
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