(Continuação daqui)
154. Tiro ao alvo
A Inquisição, extinta em 1821, e da qual viria a nascer em 1832 o Ministério Público, foi reactivada em Portugal e Espanha no século XVI para defender o poder ditatorial e centralizado das monarquias católicas contra os ventos da democracia e da descentralização que sopravam do norte da Europa.
Os alvos preferenciais do Ministério Público não são, portanto, apenas as instituições democráticas. São sobretudo aquelas que, ao seu carácter democrático, acrescentam também a descentralização do poder. Ora, as instituições possuindo visibilidade pública que melhor juntam estes dois atributos são as Câmaras Municipais.
Por isso, o Ministério Público não deixou fechar o ano de 2023 sem, na última semana, disparar duplamente contra os seus alvos preferidos. Foram acusados o ex-presidente da Câmara de Vizela, Diniz Costa, pelo crime de prevaricação (cf. aqui), e também o ex-presidente da Câmara de Barcelos, Miguel Costa Gomes, pelos crimes de prevaricação, perseguição e abuso de poder (cf. aqui).
A descrição que é feita pela comunicação social em ambos os casos revela tratar-se de assuntos de lana caprina suscitados por rivalidades políticas típicas de pequenas comunidades e que acabarão em absolvições.
A acusação desta semana contra o ex-presidente da Câmara de Vizela seguiu-se a outra de peculato que tinha sido produzida anteriormente e à qual ele reagiu dizendo tratar-se de um "embuste" e de um "assassinato político" (cf. aqui).
É nisto precisamente que o Ministério Público é especialista - o assassinato político - porque um número esmagador das suas acusações contra autarcas acaba em absolvições. Trata-se daquilo que o falecido autarca de Viseu, Almeida Henriques - Figura do Ano deste blogue em 2021 (cf. aqui) e que, ele próprio, morreu arguido - chamou de política de tiro ao alvo do Ministério Público sobre os autarcas.
Um poder democrático e descentralizado é algo que o Ministério Público não pode ver à frente. Não descansará até dar cabo dele. E não poderia fechar o ano sem lhe dar mais uns tiros.
(Continua acolá)
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