Federico Palomo, "A Contra Reforma em Portugal 1540-1700", Livros Horizonte, Lisboa, 2006, p. 47 (ênfases meus):
"(...) a peça fundamental no funcionamento do tribunal inquisitorial era o processo.
"(...) Uma primeira fase de inquérito, dirigida à acumulação de provas contra os suspeitos, estava marcada pelo segredo e pela impossibilidade de defesa dos réus sendo que estes, já presos, geralmente desconheciam quem os tinha denunciado e quais eram os "delitos" de que eram acusados.
"Uma segunda fase propriamente judicial estava orientada principalmente à obtenção da confissão destes últimos que, para isso, podiam até ser submetidos à tortura.
"No melhor dos casos, os réus podiam evitar ou reduzir a condenação através da apresentação de provas ou testemunhos de uma inocência que não lhes era presumida à partida, mas que, pelo contrário, deviam demonstrar" .
Passaram vários séculos, o regime político mudou de uma monarquia absoluta para uma democracia dita liberal, a bandidagem oficial também mudou de nome, de Inquisição para Ministério Público, mas quanto ao resto, praticamente nada mudou.
Arruínam-se as pessoas, não através de uma condenação em julgamento (porque quase nunca existe crime), mas através do processo, um processo que não tem fim onde as vítimas vêem a sua vida devassada, a sua reputação destruída, a sua liberdade coarctada e os seus bens roubados para sempre ("arrestados", na linguagem dos ladrões).
A tortura deixou de ser física mas, com o desenvolvimento dos modernos meios de comunicação social, passou a ser mediática. Ao abrigo do "segredo de justiça", que a vítima está obrigada a respeitar, até porque, na maioria dos casos, está presa, os algozes mandam cá para fora, na sua própria versão, todos os detalhes da sua vida profissional, pessoal e até íntima, sem que a vítima se possa defender ou sequer protestar "Isso é mentira".
As denúncias anónimas são encorajadas publicamente e, em muitos casos, a vítima está presa sem saber de que crimes é acusada ou quem a denunciou.
A Constituição democrática manda respeitar o princípio da presunção de inocência. Mas as leis, incluindo a Constituição, são para os cidadãos respeitarem, não os algozes. Estes, estão acima da lei, mesmo se não foram eleitos por ninguém nem prestam contas a ninguém.
Eles são a lei, o far-west em versão legal.
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