13 abril 2023

A Economia de Francisco (12)

(Continuação daqui)



12. A Internacional dos pobres

O arrendamento compulsivo de casas devolutas, recentemente defendido em Portugal pelo governo do Partido Socialista, seria também praticado na Economia de Francisco porque o direito natural ao uso comum dos bens deve prevalecer sobre o direito à propriedade privada (cf. aqui). 

É através desta hierarquia de direitos, e à supremacia absoluta da comunidade sobre a pessoa humana, que começa a surgir discretamente na Economia de Francisco a instituição que, na realidade, lhe é central - o Estado com o seu monopólio da força e da coerção.

Não deixa de ser um paradoxo que a Encíclica Fratelli Tutti, que trata do amor fraternal entre os homens, acabe a recorrer à força para fazer prevalecer esse amor.

Na realidade, a interferência inevitável do Estado para fazer valer a supremacia do direito ao uso comum dos bens sobre o direito à propriedade privada é apenas uma manifestação de um princípio mais geral  prevalecente na Economia de Francisco, e que é também um traço dominante de uma economia comunista - o controlo político da economia:


"177. Gostaria de insistir que «a política não deve submeter-se à economia, e esta não deve submeter-se aos ditames e ao paradigma eficientista da tecnocracia».[158] Embora se deva rejeitar o mau uso do poder, a corrupção, a falta de respeito das leis e a ineficiência, «não se pode justificar uma economia sem política, porque seria incapaz de promover outra lógica para governar os vários aspetos da crise atual».[159] Pelo contrário, «precisamos duma política que pense com visão ampla e leve por diante uma reformulação integral, abrangendo num diálogo interdisciplinar os vários aspetos da crise».[160] Penso numa «política salutar, capaz de reformar as instituições, coordená-las e dotá-las de bons procedimentos, que permitam superar pressões e inércias viciosas».[161] Não se pode pedir isto à economia, nem aceitar que ela assuma o poder real do Estado" (cf. aqui)


Perante a fraqueza crescente dos Estados nacionais, imposta pela globalização da economia, o Papa Francisco apela a um Estado supranacional que controle a economia para o bem comum da família humana.


"172. O século XXI «assiste a uma perda de poder dos Estados nacionais, sobretudo porque a dimensão económico-financeira, de carater transnacional, tende a prevalecer sobre a política. Neste contexto, torna-se indispensável a maturação de instituições internacionais mais fortes e eficazmente organizadas, com autoridades designadas de maneira imparcial por meio de acordos entre governos nacionais e dotadas de poder de sancionar».[149] Quando se fala duma possível forma de autoridade mundial regulada pelo direito,[150] não se deve necessariamente pensar numa autoridade pessoal. Mas deveria prever pelo menos a criação de organizações mundiais mais eficazes, dotadas de autoridade para assegurar o bem comum mundial, a erradicação da fome e da miséria e a justa defesa dos direitos humanos fundamentais" (cf. aqui).


O internacionalismo do Papa Francisco converge aqui rigorosamente para o internacionalismo  de Marx e Engels. Ao grito comunista "Proletários de todo o mundo, uni-vos", o Papa responde com o grito franciscano "Pobres de todo o mundo, uni-vos".

A Internacional dos pobres seria a ONU, depois de devidamente reformada:


"173. Nesta linha, lembro que é necessária uma reforma «quer da Organização das Nações Unidas quer da arquitetura económica e financeira internacional, para que seja possível uma real concretização do conceito de família de nações».[151] Isto pressupõe, sem dúvida, limites jurídicos precisos para evitar que seja uma autoridade cooptada por poucos países e, ao mesmo tempo, para impedir imposições culturais ou a redução das liberdades básicas das nações mais frágeis por causa de diferenças ideológicas. Na verdade, «a comunidade internacional é uma comunidade jurídica fundada sobre a soberania de cada Estado-membro, sem vínculos de subordinação que neguem ou limitem a cada qual a sua independência».[152] Com efeito, «a tarefa das Nações Unidas, com base nos postulados do Preâmbulo e dos primeiros artigos da sua Carta constitucional, pode ser vista como o desenvolvimento e a promoção da soberania do direito, sabendo que a justiça é um requisito indispensável para se realizar o ideal da fraternidade universal. (…) É preciso garantir o domínio incontrastado do direito e o recurso incansável às negociações, aos mediadores e à arbitragem, como é proposto pela Carta das Nações Unidas, verdadeira norma jurídica fundamental».[153] É necessário evitar que esta Organização seja deslegitimada, pois os seus problemas ou deficiências podem ser enfrentados e resolvidos em conjunto" (cf. aqui)

(Continua)

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