19 dezembro 2022

Um juiz do Supremo (189)

 (Continuação daqui)

Ainda se aproveitaram os ossos


189. Fodê


No regresso da Grécia, onde tinha ido apresentar queixa contra a deputada Eva Kaili pelo desvio de dinheiro (150 mil euros), pertencente ao seu pai (cf. aqui), o juiz Marcolino viajou na TAP. O viagem de ida tinha sido com a Ryanair mas como o avião chegou atrasado dez minutos, o juiz zangou-se, processou a companhia, pedindo uma indemnização de 200 mil euros, e prometeu nunca mais voar na Ryanair até receber o dinheiro.

Nesse dia, aos comandos do A320 do vôo TAP 424, de Atenas para Lisboa, estava o comandante Jair Nascimento d' Anunciada, um piloto que fez parte de uma leva de pilotos contratados no Brasil quando a empresa era gerida por administradores do país irmão. Nos mentideros da transportadora aérea nacional dizia-se que o comandante Jair era bicha

O Airbus já tinha entrado no espaço aéreo nacional quando o juiz Marcolino se levantou do seu lugar em executiva e, discretamente, ajeitou qualquer coisa que trazia pendurada no cinto, sob o casaco. Cá atrás, na cabina, uma turista francesa, mãe solteira, dizia para a filha de seis anos: "Regarde, la bas, la ville  portugaise de Chateau Blanc", enquanto, três filas mais adiante, era um funcionário americano da Google que dizia para o colega, apontando para baixo "Look, that is the Portuguese city of White Castle...".

E foi, então, que o juiz Marcolino, aproveitando uma aberta, entrou de supetão no cockpit, sacou a Beretta do coldre, encostou a arma de calibre 6,35 milímetros à nuca do comandante e gritou-lhe:

-Ou dás os comandos ou estouro-te os miolos. Eu fodo-te!. 

Esta era uma variante da ameaça clássica do juiz que ficou historicamente plasmada num acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, dirigida a uma amiga da sua madrasta, que o juiz agora presumia ser a eurodeputada Eva Kaili: "Ou  dás o dinheiro ou estouro-te os miolos. Eu fodo-te!". (cf. aqui)

Ao ouvir isto, o comandante Jair ficou por uns momentos paralisado, depois ligou o piloto automático, levantou-se do seu lugar, virou-se vagarosamente para o juiz, a arma a deslizar-lhe lateralmente pela cabeça desde a nuca até à testa, e, olhando o juiz de frente, disse-lhe com um sorriso na face:

-Fodê!?... Você qué fodê?... Ai... cara ... qui bom ... si é prá fodê... tá tudo legau...

Vendo que não havia resistência, o juiz guardou a arma no coldre, tomou o lugar do comandante, enquanto este se sentava atrás dele, no jump seat.

-Eh... cara ... você sabe dirigir avião?...

Esta era a questão que preocupava o comandante Jair, mas o juiz rapidamente o tranquilizou, dizendo-lhe que ele próprio era comandante de avião, embora na versão Cessna. Que até já tinha tido uma empresa de aviação que só não tinha ido mais longe do que a Ryanair por causa do irmão Amílcar que não deixou acrescentar à empresa do pai, que produzia estanhos, a actividade de prestação de serviços aéreos.

A empresa tinha dois comandantes, ele próprio, na altura juiz desembargador do Tribunal da Relação do Porto, e o seu sócio, o comandante Horácio Sousa, um empresário dono do Intermarché de Bragança, que era um grande e experimentado piloto, segundo o juiz. Por acaso, o comandante Horácio Sousa, anos depois, teria  um pequeno infortúnio - acrescentou o juiz. Andava a dar umas voltas com um jovem piloto, por sinal também da TAP, quando o avião se despenhou (cf. aqui). Segundo o relatório do acidente feito pela autoridade da aeronáutica civil, se não fosse a perícia do comandante Horácio Sousa - explicou o juiz -, os dois ocupantes teriam sido feitos em pó. Assim, ainda se aproveitaram os ossos.

Levando o sinal de sequestro ligado, que foi a última acção do comandante d´Anunciada antes de ceder o seu lugar ao juiz, as televisões e o Airbus convergiam agora a toda a velocidade para o aeroporto Humberto Delgado, o Airbus a mais velocidade que as televisões que, não obstante, ainda chegaram a tempo de filmar a aterragem do comandante Marcolino (cf. aqui).

O avião abanava violentamente para um lado e para o outro, e estava a poucos metros de tocar no solo quando o comandante Jair, perante o cenário que se desenhava, se levantou do jump seat, e gritando:

-Você vai fodê todo o mundo, cara!...,

desferiu dois potentes murros no juiz, fazendo-o voar do assento.

Enquanto o  comandante Jair gritava para o co-piloto "TOGA!" ("Take Off and Go Around"), a manobra clássica nesta situação, levando os motores ao máximo e levantando o nariz do avião, o juiz, jazendo atordoado no cockpit, ainda conseguiu dizer:

-Estes murros vão-te custar milhões em indemnizações, meu grande cabrão...,

que era assim que o juiz também era tratado, aparentemente com algum desgosto (cf. aqui). 

E, num último suspiro, momentos antes de desmaiar, levando a mão direita ao coldre, ainda se ouviu o juiz balbuciar, desfalecendo:

-Ou dás já o dinheiro ou estouro-te os miolos. Eu fodo-te!... 


(Continua acolá)

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