08 dezembro 2022

Um juiz do Supremo (157)

 (Continuação aqui)



157. O poder dos pobres

A primeira vez que a "liberdade de expressão" aparece referida em textos legais é na Constituição Americana, na Primeira Emenda, onde se diz que o Congresso fica proibido de fazer leis que restrinjam the freedom of speech. Os EUA são também o primeiro país a nascer democrático e a maior máquina trituradora de pobreza que a humanidade alguma vez conheceu.

Qual a relação entre a liberdade de expressão e a erradicação da pobreza?

É que a liberdade de expressão é o poder dos pobres, o único poder dos pobres. Quando um pobre é abusado por alguém em posição de poder - um rico, um governante, um funcionário público -, não tendo dinheiro, nem qualquer outra forma de poder para se defender, só lhe resta uma: chamar uns nomes a quem o abusou. 

Sendo Portugal um país que sempre cultivou a pobreza e que nunca se conseguiu libertar dela pelos seus próprios meios, não surpreende que a língua portuguesa possua um léxico variado para exprimir este poder dos pobres.

A diferença entre uma cultura democrática e outra não-democrática revela-se neste e em outros pequenos pormenores. Enquanto a cultura democrática dos países da América do norte e do norte da Europa exige que as pessoas com alguma forma de poder estejam mais expostas à crítica pública - como sugerem as recomendações do Conselho da Europa e a firme jurisprudência do TEDH -, em Portugal as pessoas com alguma forma de poder gozam de uma proteção legal acrescida contra a liberdade crítica de expressão.

Assim, o crime de difamação em Portugal (artºs. 180 e 184 do Código Penal, cf. aqui) é considerado agravado, e as penas aumentam em 50%, se for cometido contra alguma das pessoas mencionadas na alínea l) do nº 2 do artº 132º:

"l) (...) membro de órgão de soberania, do Conselho de Estado, Representante da República, magistrado, membro de órgão do governo próprio das regiões autónomas, Provedor de Justiça, membro de órgão das autarquias locais ou de serviço ou organismo que exerça autoridade pública, comandante de força pública, jurado, testemunha, advogado, solicitador, agente de execução, administrador judicial, todos os que exerçam funções no âmbito de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos, agente das forças ou serviços de segurança, funcionário público, civil ou militar, agente de força pública ou cidadão encarregado de serviço público, docente, examinador ou membro de comunidade escolar, ministro de culto religioso, jornalista, ou juiz ou árbitro desportivo sob a jurisdição das federações desportivas, no exercício das suas funções ou por causa delas"

A tradição portuguesa, que é uma tradição anti-democrática, abre a porta a que qualquer pessoa em posição de poder, se sirva desse poder para abusar os outros e enriquecer à custa dos outros, sem que estes possam protestar porque, se o fizerem, correm o risco, não só de ficarem sem o pouco que têm, como ainda de irem parar à prisão.  Na cultura portuguesa, calar é a regra perante os abusos de poder.

Esta cultura tem outra consequência. Quem quiser enriquecer deve procurar uma posição de poder, como a de  governante, funcionário público, advogado, juiz, solicitador, patente militar, etc., porque, a partir daí, pode explorar o povo - o qual, numa democracia, devia servir - sem que este possa facilmente protestar, excepto entre dentes.

Enquanto a tradição democrática desconfia dos poderosos e submete-os a um escrutínio público praticamente sem limites, a tradição portuguesa confia na bondade dos poderosos para não explorarem o povo. E, se é certo, que a maior parte das pessoas em posições de poder, e em condições de o abusar, se comportam de maneira decente, a tradição portuguesa abre sempre a porta a que surja um matarruano qualquer que, alcandorado a uma posição de poder, cometa toda a série de abusos sem que ninguém lhe vá à mão. Pior do que isso, quem lhe fizer frente e protestar, será confrontado com processos por difamação agravada que o podem levar à prisão e também à ruina.

Escusado será dizer que o juiz Marcolino é o arquétipo da figura que acabo de descrever. Ele usa a sua condição de juiz para enriquecer, ameaçar, perseguir, maltratar, extorquir. Ele usa a sua condição de juiz para intimidar, para se superiorizar, para alardear o seu poder, como naquela charla tão bem conseguida pelo Herman José, "Eu é que sou o Presidente da Junta":

" - Que nos atos da sua vida privada, quando formulava requerimentos dirigidos ao Ex.mo Presidente da Câmara Municipal de Bragança – pessoa com quem tinha vários conflitos judiciais –, solicitando autorização para guardar a aeronave no hangar, o Autor não se coibia de invocar a qualidade de “JUIZ DESEMBARGADOR”- Que o A. nem sequer se coibia de enviar requerimentos de idêntico jaez, para o mesmo destinatário, em papel timbrado do Tribunal da Relação do Porto, com a menção“ TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO gabinete de desembargadores” (cf. aqui)

Ele chega a utilizar a sua condição de juiz para ameaçar pôr na cadeia pessoas pacíficas.

"143) Que a testemunha SS descreve o participante como "Rancorosoconflituosovingativo prepotente" e que "O carácter dele leva-me a ter a certeza que tudo fará, inclusive mentir e levar (...) as testemunhas a mentir, como fez no meu processo, tendo, na reunião havida em ... afirmado em tom ameaçador de que tudo fará para me meter na cadeia" - (por referência ao artigo 404° da contestação)" (cf. aqui).

E ai de quem protestar. Leva um processo por difamação com a ameaça de ir até três anos para a prisão e ficar arruinado com a indemnização que o juiz lhe exige. E se a sua honra, quando era juiz desembargador, chegava a valer um milhão de euros, agora que é juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, valerá pelo menos o triplo.  


(Continua acolá)

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