07 novembro 2022

Um juiz do Supremo (79)

 (Continuação daqui)



79. Um batoteiro


É a seguinte a razão de ser da Petição (cf. aqui) que a juíza Paula Sá (e o marido) dirigiu à Assembleia da República no âmbito do conflito que mantinha com o juiz Francisco Marcolino.

A juíza Paula Sá, em retaliação pelos numerosos processos-crime e disciplinares que o juiz Marcolino pôs contra ela, tinha um processo-crime a correr no Supremo Tribunal de Justiça contra o juiz Marcolino pelo qual este, entretanto, tinha sido constituído arguido.

O juiz Marcolino - para além de pôr um processo à magistrada do Ministério Público que o constituiu arguido - fez, então, um requerimento ao Conselho Superior da Magistratura (CSM) - órgão de disciplina e graduação dos juízes - a meter uma cunha para que o CSM agisse junto do Ministério Público para que lhe fosse retirada a condição de arguido (tanto mais que estava a decorrer o concurso para acesso ao Supremo e ele era um dos candidatos).

Pura batota, considerou a juíza Paula Sá, e com razão. Nenhum cidadão pode influenciar o processo penal desta maneira. Quantos cidadãos arguidos em processo penal têm acesso ao CSM para meter cunhas que os livrem da acusação? 

A questão tinha contornos penais, sustenta a juíza Paula Sá, mas constituía certamente uma falta disciplinar grave - um juiz, que devia dar o exemplo, a tentar corromper o processo penal (matéria na qual ele próprio se reclama especialista). Na verdade, eis um juiz desembargador que acha que deve existir um Código do Processo Penal para todos os cidadãos e, depois, um outro, especial, só para ele.

A juíza Paula Sá começou por saber da existência do requerimento (que acabou indeferido pelo CSM), mas não do seu conteúdo. E pediu ao CSM que lhe fornecesse cópia. Porém, o CSM escondeu o requerimento pelo tempo necessário até se esgotar o prazo em que a juíza poderia fazer uso disciplinar dele contra o juiz Marcolino (Trata-se aqui de mais um episódio da justiça secreta pela qual o TEDH viria a condenar o Estado português, dando razão à juíza Paula Sá, cf. aqui).

Enquanto escondia o conteúdo do requerimento, o CSM graduou o juiz Marcolino em oitavo lugar para juiz do Supremo Tribunal de Justiça. Pura batota, considerou de novo a juíza Paula Sá. A batota era agora do CSM. Se aquele requerimento fosse conhecido publicamente e pelos outros candidatos, poderia ter influenciado a classificação do juiz Marcolino no concurso de acesso ao Supremo, sendo mais um elemento que juntaria à sua manifesta falta de idoneidade para exercer o cargo.

A Assembleia da República, pelo mão do deputado do PS, Sérgio Sousa Pinto, produziu mais tarde um relatório que recomendava o arquivamento da Petição da juíza Paula Sá (cf. aqui). Somente depois de apelar para o TEDH, a juíza Paula Sá veria ser-lhe feita justiça.

Em todo o processo, enquanto ele decorreu nas instâncias nacionais - envolvendo o inspector judicial Francisco Marcolino, o CSM, o Supremo Tribunal de Justiça e a própria Assembleia da República - houve um elemento que esteve sempre presente mas que nunca foi explicitamente mencionado.

Trata-se do facto de o juiz Marcolino estar publicamente associado ao PS,  e o CSM, então como agora, estar dominado pelo PS. Foi isso que permitiu ao juiz Marcolino, de forma batoteira, na altura (2013) ser graduado em oitavo lugar para o Supremo. E foi isso também que, em setembro passado, lhe permitiu ser promovido a juiz do Supremo.

(Continua acolá)

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