(Continuação daqui)
127. O juiz Marcolino também
Não deixa de ser um paradoxo que um país, como Portugal, sem qualquer tradição democrática, um país cuja história se fez, na sua maior parte, contra a democracia, um país cuja democracia já teria falido se não fosse a mão protectora da União Europeia, tenha enviado recentemente os seus mais altos representantes ensinar democracia para o Qatar (cf. aqui)
Os resultados, como era de esperar, parecem não ter ido brilhantes (cf. aqui), mas a intrepidez e o paradoxo têm uma explicação, se se atentar num pequeno detalhe. A maioria desses altos representantes, dois em três, foram educados na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
A falta de tradição democrática de Portugal, entre outras manifestações, exprime-se no facto de os portugueses viverem de costas voltadas para a justiça, não acreditam nela e têm medo dela. Nos inquéritos de opinião sobre a qualidade dos serviços fornecidos pelo Estado, a justiça figura consistentemente em último lugar, e no escrutínio democrático das instituições, a justiça é, de longe, o menos escrutinado dos poderes do Estado.
Nos países de longa tradição democrática, como são os países anglo-saxónicos, o escrutínio democrático sobre o poder judicial começa logo à entrada das Faculdades de Direito (Law). Nestes países, o curso de Direito é um curso de elite, só acessível aos melhores estudantes, exactamente no mesmo plano do curso de Medicina. A razão é que se a Medicina é essencial para a saúde do corpo, a Justiça é essencial para a saúde da sociedade democrática.
Nesses países, com a Inglaterra à frente, a democracia, desde a Magna Carta (1215), demorou muitos séculos e muitas vidas a conquistar e a consolidar e, sendo o poder judicial o mais importante dentre todos os poderes democráticos, não se pode deixar as profissões judiciais entregues nas mãos de uns quaisquer matarruanos.
É ao contrário em Portugal onde qualquer estudante medíocre que não saiba somar dois mais dois vai cursar Direito. Esta falta de critérios e de exigência logo à entrada da Faculdade, vai seguir depois toda a vida profissional dos juristas assim formados e que um dia virão a ser os advogados, os procuradores do Ministério Público e os juízes do país (e também, maioritariamente, os seus deputados e ministros).
O poder que as profissões judiciais conferem, aliado ao medíocre escrutínio intelectual e pessoal que é feito aos seus profissionais pelas Faculdades de Direito primeiro, depois pelas instituições da democracia e pela própria opinião pública democrática, unem-se frequentemente numa combinação explosiva.
De facto, não parece uma injustiça dizer que, dentre as profissões de colarinho branco (médicos, economistas, juristas, contabilistas, arquitectos, engenheiros, etc.) são as Faculdades de Direito que têm fornecido à democracia portuguesa a maior proporção de trapaceiros, incluindo burlões, vigaristas, chico-espertos, safados, aldrabões, corruptos, até aos meros fala-barato.
Dentre todas as Faculdades de Direito do país, se me pedissem para eleger a alma mater desta casta de trapaceiros, eu elegeria, sem hesitar, a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, e atribuiria o Prémio Alves dos Reis da democracia portuguesa ao advogado e ex-presidente do Benfica, João Vale e Azevedo.
Naturalmente, Vale e Azevedo saiu da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
Curiosamente, o juiz Marcolino também.
(Continua acolá)
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