28 novembro 2022

Um juiz do Supremo (125)

 (Continuação daqui)


125. Um tiro no coração

Recentemente, um leitor deste blogue perguntou-me, com um ar admirado, se a informação que eu utilizo para escrever esta série de posts releva de alguma fonte especial ou se, pelo contrário, é apenas informação pública.

Respondi que é só informação pública. A internet é a minha única fonte de informação. A admiração do meu leitor residia em não conseguir explicar como é que ninguém tinha visto tudo isto antes. Por outras palavras, "Como foi possível um criminoso chegar a juiz do Supremo, mesmo debaixo dos nossos olhos e sem que ninguém se tivesse apercebido?".

A pergunta é muito interessante e a resposta ainda mais. 

Em Portugal tudo é possível. Um dos traços mais marcantes da cultura católica dos portugueses é que é uma cultura de tudo, onde tudo pode acontecer. Por isso, numa cultura assim, ninguém deve ficar excessivamente surpreendido por ter a juiz do Supremo um perfeito criminoso.

Talvez valha a pena neste ponto trazer à colação um dos maiores admiradores e cultores da cultura católica. G. K. Chesterton chegou ao catolicismo vindo do anglicanismo e, portanto, ao contrário daqueles que nasceram nesta cultura, teve o privilégio de olhar para ela com os olhos de quem vem de fora. E aquilo que ele encontrou na cultura católica foi um mundo fascinante de paradoxos. 

Chesterton, portanto, seria o autor ideal para responder à questão "Como é que um criminoso chega a juiz do Supremo?", e a resposta ter-lhe-ia dado um imenso prazer porque, diante do fascínio da cultura católica, ele próprio acabaria por se tornar o mestre do paradoxo. Não o tendo à mão, terei de ser eu a encontrar a resposta.

São vários os factores que concorrem na cultura católica dos portugueses para permitir que um criminoso chegue a juiz do Supremo, e um deles, muito importante, já foi mencionado - a imensa permissividade da cultura popular portuguesa, a sua monstruosa falta de julgamento quando se trata de decidir sobre questões de interesse público.

Mas a permissividade do povo português é apenas uma manifestação de um outro traço mais geral, com longa tradição e profundamente enraizado na cultura popular e católica dos portugueses, que é a sua aversão à democracia liberal, a qual é uma instituição protestante. (O próprio juiz Marcolino, no seu papel de cacique de aldeia, exprime muito bem, em pessoa, esta cultura profundamente anti-liberal do povo português).  

No fim de contas, permitir que um criminoso chegue a juiz do Supremo é dar um tiro no coração da democracia.  E isso - tiros no coração da democracia liberal -, a cultura popular, tradicional e católica do povo português, dará sempre com imenso prazer.


(Continua acolá)

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