21 novembro 2022

Um juiz do Supremo (108)

(Continuação daqui)



108. A porta da anarquia

A tradição católica (uma palavra que tem origem no grego e significa universal) é a mais antiga tradição do cristianismo - e talvez a única na história da humanidade - que procura fazer de toda a humanidade uma família, tratar todos os homens como irmãos, exprimindo na prática o preceito cristão de que todos eles são filhos do mesmo Pai.

Do ponto de vista intelectual, a pretensão de universalidade desta cultura é um empreendimento extraordinário. Como pôr dentro da mesma casa, e fazer conviver como irmãos, pessoas tão diferentes como o alemão da Prússia, o cossaco russo, o índio da Amazónia, o cowboy americano, o chinês de Xangai e o antropófago da mais remota região do globo?

Através de um código ético ou de moralidade extremamente flexível. 

Só um código ético ou moral extraordinariamente flexível permite acomodar a diversidade cultural que existe no mundo e reunir sob uma cultura única e universal pessoas originárias das mais diversas culturas que a humanidade já conheceu.

Porém, a maior grandeza da cultura católica - que é a sua capacidade para acolher todos sem excepção debaixo do mesmo tecto através da flexibilidade do seu código ético - contém também os ingredientes da sua maior fraqueza, que é a sua imensa permissividade. 

Não se trata aqui de liberalismo porque o liberalismo é bastante estrito quanto ao respeito pelas suas regras. É mais do que liberalismo, é uma liberdade praticamente sem limites, é permissividade - a tolerância ou a complacência perante a violação das sua próprias regras, sem a qual alguns ficariam de fora e a cultura deixaria de ser católica ou universal. 

Para manter o equilíbrio desta cultura que tem como característica central admitir a violação dos seus próprios códigos de conduta e que, por isso, está constantemente ameaçada pelo abuso e pela anarquia, são necessários homens muito especiais - uma verdadeira elite. E, na realidade, a cultura católica, embora sendo uma cultura popular e feita para o povo, não foi feita pelo povo. Foi pensada e cultivada, ao longo de muitos séculos, pela elite da Igreja (Papas, Cardeais e Bispos) e por outros homens de igual calibre intelectual nas sociedades em que se implantou. 

O principal atributo dos homens que fazem a elite católica é a sua capacidade de julgamento. Trata-se de homens possuindo um julgamento ímpar, capazes de decidir em cada momento e segundo as circunstâncias, aquilo que é aceitável e aquilo que não é aceitável, a fim de manter a sociedade viável e evitar que ela descambe na anarquia.

Daqui decorre também, por entre as suas múltiplas virtudes - de que a principal é, talvez, a sua profunda humanidade - a maior fraqueza de um povo de tradição católica, que é a sua enorme falta de julgamento.

Entregue ao povo, esta cultura resvala facilmente para a anarquia, perde critérios, vulgariza-se - literalmente: abandalha-se -, porque ao povo falta o atributo que ele próprio espera da sua elite - capacidade de julgamento. Entregar as instituições de uma sociedade de tradição católica ao povo é a receita certa para o seu descrédito, o triunfo da anarquia, e finalmente, a sua ruína.

Ora, quem olhar para a vida pública do juiz Francisco Marcolino, recentemente promovido a juiz do Supremo Tribunal de Justiça, aquilo que salta logo à vista é a sua monstruosa falta de julgamento, agravada pelo facto de ele próprio ser juiz e de o povo esperar dele uma especial capacidade de julgar. 

O juiz Marcolino está constantemente envolvido em sarilhos - com o irmão, com o presidente da câmara, com o director do aeródromo, com o ex-sócio traficante de droga, com a juíza que lhe competia avaliar, com o marido da juíza, com o engenheiro alcoólico e seu ex-amigo, com a madrasta, com a funcionária do registo civil que casou o pai, a lista é sem fim.

Ele ameaça pessoas, exibe a pistola, bate no irmão, põe processos a quem lhe aparece pela frente, mente em tribunal, condiciona juízes, decide a favor da mulher, usa a justiça para enriquecer, perseguir e ameaçar, ele faz tudo aquilo que um juiz não pode fazer. 

E nos múltiplos processos judiciais em que se envolve - e onde todos esperariam que ele os ganhasse, por força do seu superior sentido de justiça associado à sua profissão de juiz -, ele perde-os quase todos, e nos poucos que ganha, é porque fez batota ou existem sérias suspeitas de ter feito batota. O processo que pôs no TEDH contra o Estado português seria de molde a renunciar imediatamente à carreira (cf. aqui). A falta de julgamento do juiz Marcolino é total, e a de vergonha também.

Nas sociedades de tradição católica, com a sua permissividade sem limites, é possível a um matarruano chegar a juiz do Supremo. É uma situação impensável nos países tocados pela influência protestante, de onde vem a democracia, como a Inglaterra, os EUA, o Canadá ou mesmo a Alemanha ou a Suécia.

O Supremo Tribunal de Justiça aceitou descredibilizar-se e abrir a porta à anarquia. Portugal está num plano inclinado, e não é para cima.


(Continua acolá)

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