13 outubro 2022

Vais de choça...vais!...

 



Eu sou o segundo filho de uma família de quatro irmãos, os três primeiros muito próximos uns dos outros em idades, o mais novo nem sequer era nascido na altura.

Lisboa, talvez corresse o ano de 1963, bairro de Alvalade, mandado construir pelo regime de Salazar, todos os apartamentos tinham um quintal. A família habitava o segundo andar de um prédio de dois andares numa rua transversal a uma das avenidas principais de Alvalade - a Avenida da Igreja.

Certa noite, devia ser primavera ou verão, cerca da uma da manhã, eu e o irmão a seguir a mim, ouvimos ruídos nos quintais. Eu teria nove ou dez anos, ele sete ou oito. No maior silêncio, abrimos a janela para ver o que se passava lá em baixo. E deparámos com um tipo a roubar galinhas num quintal.

Pela primeira vez, nós víamos um verdadeiro ladrão, uma figura que até aí só existia na nossa imaginação de crianças. Cheios de medo, ficámos sem saber o que fazer. Chamar os pais, que já dormiam, não era opção porque nós próprios não éramos supostos estar acordados àquela hora da noite.

Então, decidimos ir chamar a única autoridade que sobrava, por assim dizer, a autoridade subsidiária, o nosso irmão mais velho, que era o mais dorminhoco de todos, e que dormia profundamente, alheio a tudo aquilo que se passava lá em baixo no quintal. 

Abanámo-lo o suficiente para ele acordar, dissemos-lhe, com o devido pânico e quase ao ouvido, o que estava a acontecer - havia um ladrão no quintal a roubar galinhas à vizinha -, e lá o conseguimos acordar. 

Ele teria na altura uns onze ou doze anos. Levantou-se estremunhado, assomou à janela e gritou com voz impositiva para o meliante lá em baixo:

-Vais de choça...vais!...,

o qual, surpreendido, ao ouvir isto, fugiu a sete pés.

Tendo dito isto, deu meia volta, enfiou-se de novo na cama e voltou a dormir como se nada tivesse acontecido.

O episódio ficou para sempre gravado nas memórias da família.

Foi esta história que me ocorreu quando li as últimas declarações do juiz Pedro Vaz Patto à Rádio Renascença a propósito do encobrimento de crimes sexuais na Igreja, e a que faço referência no post anterior (cf. aqui).

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