Um post recente que escrevi sobre Justiça neste blogue (cf. aqui) foi muito citado na comunicação social por ter sido reproduzido na página do Facebook de um deputado, mas quanto às medidas reformadoras da Justiça que eu nele propunha nem uma palavra.
Duas das medidas que propunha diziam respeito ao Ministério Público, uma sugerindo a responsabilização dos procuradores do MP quando fazem mal o seu trabalho e acusam pessoas inocentes, à semelhança do que acontece em qualquer outra profissão; a outra, retirando o MP da esfera do poder judicial e colocando-o sob a esfera do poder político, que é onde ele pertence num regime democrático.
A importância destas duas medidas está perfeitamente ilustrada no julgamento do caso dos incêndios de Pedrógão Grande que terminou ontem em Leiria com a absolvição de todos os arguidos (cf. aqui e aqui).
No caso, o Ministério Público acusava 11 arguidos de 483 crimes. Nem menos: quatrocentos e oitenta e três crimes (cf. aqui).
José Geria: 63 crimes de homicídio e 44 de ofensa à integridade física.
Casimiro Pedro: 63 crimes de homicídio e 44 de ofensa à integridade física.
Augusto Arnault: 63 crimes de homicídio e 44 de ofensa à integridade física.
José revés: 34 crimes de homicídio e sete de ofensa à integridade física.
Ugo Silvestre Berardinelli: 34 crimes de homicídio e sete de ofensa à integridade física.
Rogério Mota. 34 crimes de homicídio e sete de ofensa à integridade física.
Fernando Lopes: dois crimes de homicídio e um de ofensa à integridade física.
Margarida Gonçalves: sete crimes de homicídio e quatro de ofensa à integridade física.
Jorge Abreu: dois crimes de homicídio e um de ofensa à integridade física.
José Graça. sete crimes de homicídio e quatro de ofensa à integridade física.
Valdemar Alves: sete crimes de homicídio e quatro de ofensa à integridade física.
Durante vários anos, estas pessoas acordaram todos os dias de manhã sob a ameaça de irem parar à prisão por muitos e longos anos, dada a gravidade dos crimes que lhe eram imputados e o seu número. O sofrimento emocional, financeiro, profissional e reputacional deve ter sido indescritível e algumas delas, muito provavelmente, ficaram com as suas vidas irremediavelmente arruinadas para sempre.
Afinal, o colectivo de juízes do tribunal de Leiria chegou à conclusão que nenhuma destas pessoas tinha cometido qualquer crime. Nem um, entre os 483 de que estavam acusadas. Dir-se-ia que os procuradores do MP e os juízes de instrução que as acusaram estavam simplesmente a fazer o seu trabalho.
Mas não. Acusar pessoas inocentes não é trabalho. É crime, e crime gravíssimo neste caso, dada a natureza e o número das acusações. O Ministério Público chegou ao ponto de acusar comandantes de bombeiros de matar pessoas, eles que arriscam a vida regularmente para salvar pessoas.
Esta selvajaria institucional dificilmente teria ocorrido se os procuradores do Ministério Público respondessem por aquilo que fazem e se estivessem dependentes do ministro da Justiça, como acontece em verdadeiras democracias. Se fosse assim, o ministro estaria hoje a apresentar a demissão e os procuradores do MP a serem, no mínimo, sumariamente demitidos por incompetência, malícia, crueldade, incúria ou isto tudo junto.
Mas, na situação em que se encontram, depois de acusarem 11 pessoas inocentes de 483 crimes que elas não cometeram, sem que nada lhes aconteça, a partir de hoje, os mesmos procuradores do MP, quais criminosos oficiais, ficam com o tempo livre para fazerem o mesmo a qualquer outro grupo de cidadãos inocentes que lhes apareça pela frente.
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