Nos argumentos que, nos últimos dias, têm vindo a público para defender D. Manuel Clemente das imputações de encobrimento de abusos sexuais de menores na Igreja, fica a ideia de que ele tem conhecimento de muitos mais casos do que os dois que lhe são atribuídos.
Mas não apenas isso. Fica também a ideia, veiculada por parte dos seus defensores, de que a Igreja tem a legitimidade para ser um Estado dentro de outro Estado.
Essa ideia fica clara no depoimento do juiz Pedro Vaz Patto à Rádio Renascença, e na defesa que ele faz da superioridade da justiça eclesiástica sobre a justiça civil para punir os padres pedófilos (cf. aqui).
A comparação é absolutamente desajustada. Os padres não são nenhuma casta e estão sujeitos à justiça civil, e só a essa, quando se trata de criminalidade comum, como quaisquer outros cidadãos. Em matéria de pedofilia, a justiça eclesiástica vale zero face à justiça civil.
Mas o juiz Vaz Patto, com aquela habilidade própria de um refinado batoteiro, lá faz a comparação, e - imagine-se - a justiça eclesiástica sai com vantagem para punir padres pedófilos - "é mais rígida" do que a justiça civil.
Na Nota da Comissão Permanente do Conselho Pastoral Diocesano de Lisboa de apoio a D. Manuel Clemente, e onde o juiz Vaz Patto também está presente, diz-se, a certa altura:
"Verificamos o seu empenho no combate à chaga dos abusos sexuais de menores e pessoas vulneráveis nos ambientes eclesiais (...)" (cf. aqui)
Ora, a verdade é que D. Manuel Clemente não tem nada que andar a combater abusos sexuais. Ele não é agente da Judiciária, magistrado do Ministério Público, ou juiz, embora ande sempre acompanhado de um juiz.
Menos ainda ele é o senhor absoluto de um Estado confessional dentro do Estado democrático português. Aquilo que se espera dele é que reporte todos os abusos de que tem conhecimento às autoridades civis e que reze pelas vítimas - e talvez também pelos perpetradores e pelos seus encobridores.
A mesma ideia resulta da Nota da Associação de Juristas Católicos divulgada hoje, e onde o juiz Vaz Patto volta a estar presente, quando diz:
"Tendo a actuação do senhor patriarca sido irrepreensível à luz das leis civis e canónicas, sendo o seu empenho notório na erradicação do mal objectivo dos abusos (...)" (cf. aqui)
É a ideia de que D. Manuel Clemente tem conhecimento de muitos mais casos de abusos sexuais na Igreja, para além dos dois que lhe são imputados. Quanto ao seu empenho para os erradicar, a mesma questão: Quem encomendou a D. Manuel Clemente o sermão de combater a pedofilia no país? Ele é agente da PJ ou procurador do MP?
Não.
Ele é juiz?
Também não, embora talvez considere que, pelo facto de andar sempre acompanhado de um juiz, isso lhe dê credibilidade suficiente para andar por aí ao jeito "mata-frades", mas desta vez a acabar com pedófilos.
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