25 junho 2022

Um sindicato do crime (1)

1. Ordem e bastão


Em breve será discutida no Parlamento a nova lei sobre as ordens profissionais. Estarão em discussão quatro propostas, sendo certo que será aprovada a do PS que, devo acrescentar, me parece bastante razoável.

Dentre todas as ordens profissionais, a mais militante contra a proposta do PS é a Ordem dos Advogados e existe uma explicação para isso.

Mas, antes de a apresentar, eu gostaria de esclarecer o significado original desta instituição. Como o seu nome indica - Ordem - tem em vista pôr na ordem os seus membros. E se dúvidas houvesse acerca da sua natureza originária, essas dúvidas ficariam desfeitas quando se invoca o nome do seu chefe - Bastonário (de bastão).

Trata-se de uma instituição inspirada na corporação medieval, própria de uma sociedade autoritária, fechada e hierarquizada, que, por isso mesmo tem tido óbvias dificuldades em se adaptar às realidades de uma sociedade livre, aberta e igualitária. Na maior parte dos países democráticos, há muito que não existe tal instituição como uma Ordem, e noutros nunca existiu. Assim, por exemplo, o equivalente da Ordem dos Médicos nos EUA é a American Medical Association e no Reino Unido a British Medical Association.

A principal função de uma Ordem profissional, de acordo com a sua origem medieval, é, então, a de disciplinar os seus membros, zelando para que eles pratiquem a sua profissão segundo padrões éticos e profissionais aceitáveis.

E é isso que elas fazem?

É para responder a esta questão que chamei a atenção no post anterior para o caso do advogado Francisco Teixeira da Mota que se tornou conhecido pela sua defesa da liberdade de expressão, mas que, num caso recente, foi advogado de acusação de Francisco Louçã contra o deputado do Chega, Pedro Frazão, defendendo a honra do primeiro contra a liberdade de expressão do segundo.

Teixeira da Mota, que participou no processo meio-escondido, a industriar a sua jovem colega Leonor Caldeira, acerca de como havia de enganar os juízes portugueses - eles próprios, falhos de uma tradição democrática - sabia, melhor que ninguém, que estava a cometer uma injustiça. A jurisprudência do TEDH, num caso destes, não deixa margem para dúvidas.

Como referi noutro lugar (cf. aqui), essa jurisprudência afirma que em dois tipos de situações - o discurso político (como era o caso) e as questões de interesse público - não se aplicam as restrições à liberdade de expressão contidas no nº 2 do artº 10º da CEDH (cf. aqui), como a proteção da honra.

Teixeira da Mota sabia perfeitamente que, ao acusar e fazer condenar Frazão - como veio a acontecer ,- não estava apenas a cometer uma injustiça, estava a cometer um crime - o crime de calúnia.

E a Ordem dos Advogados não o chamou à pedra, não o castigou, não lhe deu umas bastonadas disciplinares por agir como um criminoso no exercício da sua profissão de advogado?

Não, porque a Ordem dos Advogados, em múltiplas das suas manifestações modernas, se tornou, ela própria, um verdadeiro sindicato do crime, dando cobertura a criminosos, como é notoriamente o caso do Francisco Teixeira da Mota no episódio referido em cima.

É com isto que a proposta de lei do PS quer acabar, e é disto que a Ordem dos Advogados não gosta.

(Continua)

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