(Continuação daqui)
4. A grande transformação
Um debate acalorado em 2012 entre Marinho e Pinto, então bastonário da Ordem dos Advogados, e Paulo Rangel, eurodeputado e sócio da sociedade de advogados Cuatrecasas, foi simbólico da alteração que já então se vivia na Ordem e no mercado da advocacia, e que não tem deixado de se acentuar desde então.
Disse Marinho e Pinto a certa altura:
"Vou continuar a denunciar as negociatas e os cambões entre os escritórios [de advogados] e o Estado" (cf. aqui)
Aquilo que estava em jogo era o confronto entre a tradição liberal da advocacia, representada por Marinho e Pinto, e a emergente prática corporativa em que a advocacia é exercida por grandes empresas [escritórios] de advogados, como a Cuatrecasas, representada por Paulo Rangel.
Pressente-se no debate que algo de muito importante e divisivo, uma grande transformação, se está a passar no seio da advocacia e sente-se nas palavras de Marinho e Pinto o horror por aquilo que o futuro parece reservar à profissão e à própria Ordem.
Essa transformação que Marinho e Pinto parecia já vislumbrar há 10 anos, é a tese da presente série de artigos, a saber:
"À medida que a prática individual da advocacia é substituída por grandes sociedades de advogados, a Ordem dos Advogados, ela própria, transforma-se de uma corporação de profissionais liberais num sindicato do crime".
O debate ocorreu no ano de 2012, o PSD estava no poder e sucediam-se as promoções de pessoas ligadas ao PSD dentro do sistema de justiça e na administração pública. Rangel era eurodeputado pelo PSD em Bruxelas, onde a Cuatrecasas tinha um importante escritório. Era vice-presidente do PPE e tinha sido secretário de Estado da Justiça. Nesse ano, foi também promovido a director do escritório da Cuatrecasas no Porto. Era ainda director da Associação Comercial do Porto e fazia também parte dos órgãos sociais de empresas privadas.
Ele tinha um pé na política, outro na justiça, outro ainda no mundo dos negócios. Ele reunia todas as condições para a prática de, pelo menos um crime - o crime de tráfico de influências ao serviço da Cuatrecasas que, para isso, lhe pagava generosamente, em cima do seu não menos generoso vencimento como eurodeputado (cf. aqui).
Mais uns tantos colaboradores assim e a Cuatrecasas faz impunemente o que quer no mundo da política, da justiça e dos negócios. Olhando para a imponência da sua nova sede em Lisboa, não lhe devem faltar. O negócio parece prosperar na razão directa em que a qualidade e a credibilidade da justiça se afundam.
(Continua)
Sem comentários:
Enviar um comentário