Em 1978, quando Portugal aderiu à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a jurisprudência do TEDH sobre o direito à liberdade de expressão, e a sua prevalência sobre o direito à honra, já estava bem estabelecida.
Desde 1978, portanto, já lá vão 44 anos, que os magistrados portugueses (juízes e procuradores do MP) conhecem, ou têm a obrigação de conhecer, essa jurisprudência, e de a aplicar.
(Devo dizer, porém, à margem do texto, e sem qualquer petulância, que num caso em que eu próprio fui protagonista em 2018, dentro da sala do tribunal, entre advogados, magistrados do MP e o próprio juiz, eu era o único que conhecia a jurisprudência do TEDH. Este episódio contribuiu para firmar em mim a opinião sobre um outro factor que corrompe a justiça portuguesa em democracia - o seu enorme provincianismo. A democracia é um regime político cosmopolita e a cultura judicial portuguesa permanece eminentemente provinciana).
Num acórdão de 2016, Bédat c. Suisse, o TEDH resumiu essa jurisprudência de forma magistral e é ela que é citada, a partir do parágrafo 35, no acórdão que ontem condenou o Estado português (cf. aqui).
Aí se encontra a frase mais famosa da jurisprudência, a saber, que a liberdade de expressão vale não somente para as ideias que são favoráveis, inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que ofendem, chocam ou inquietam.
Aí se afirma também que a liberdade de expressão dos cidadãos só pode ser restringida e penalizada pelo Estado em caso de "necessidade social imperiosa" (v.g., impedir pânico público ou apelos à violência).
Aí se diz firmemente que existem dois domínios em que praticamente não existem restrições à liberdade de expressão - o domínio do discurso e do debate político e o domínio das questões de interesse geral.
A esta luz, como interpretar a recente decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que confirma a decisão de primeira instância de condenar o deputado do Chega, Pedro Frazão, por ofensas verbais ao conselheiro de Estado, Francisco Louçã (cf. aqui)?
Assim: Perseguição política através do sistema de justiça. Batota da democracia. Corrupção da justiça. Má-fé ou incompetência dos juízes. Os juízes ao serviço do governo do PS (ou da geringonça). Uma herança da pior tradição portuguesa, a da Inquisição. Uma palhaçada judicial.
E o que dizer do recente pedido de levantamento da imunidade parlamentar feito pelo Ministério Público acerca do deputado do Chega, André Ventura, para dar seguimento a uma queixa por ofensas à honra da sua colega de Parlamento, Mariana Mortágua (cf. aqui)?
Idem.
Um comentário final. A democracia é um regime político viril, desenvolvido nas sociedades de cultura masculina (protestante) do norte da Europa. Ela tem óbvia dificuldade em se afirmar nas sociedades de cultura feminina (católica) do sul da Europa, como Portugal. Nestas últimas sociedades, dada a sua natureza feminina, existem muitas donzelas, e as donzelas, como se sabe, ofendem-se facilmente. Algumas até vestem calças.
Sem comentários:
Enviar um comentário