Num artigo de opinião publicado recentemente, e a que fiz referência em baixo (cf. aqui), o António Barreto defende a tese - que há muitos anos eu próprio defendo neste blogue e em outros lugares - que a grande fragilidade da democracia portuguesa é a justiça.
A razão é que Portugal e os portugueses não têm uma tradição democrática. Na realidade, a Espanha e Portugal, os líderes da chamada Contra-reforma, foram os grandes adversários da democracia nascente nos países do norte da Europa a partir do século XVI (antes, no Reino Unido).
Dos três poderes do Estado - o executivo, o legislativo e o judicial -, o judicial é o menos submetido ao escrutínio público e isso explica que, ao cabo de quase 50 anos de democracia, ele permaneça como o menos democrático dos três poderes do Estado. Os cidadãos têm medo de criticar a justiça e o receio é justificado porque a justiça portuguesa é retaliadora (outro sinal da sua corrupção em regime democrático).
O sistema de justiça português é típico de um Estado autoritário onde os magistrados se vêem a si próprios como estando ao serviço do poder político do momento. A existência de um sindicato dos juízes, e outro dos magistrados do Ministério Público, são sinais marcantes de que os magistrados se vêem a si mesmos como empregados do Governo, a quem reconhecem o estatuto de patrão.
O princípio democrático da separação de poderes não vigora em Portugal, corrompendo todos os poderes do Estado, mas principalmente a justiça. Segundo o mais recente relatório do GRECO (Grupo de Estados contra a Corrupção) do Conselho da Europa, de que Portugal faz parte, das 15 medidas anti-corrupção recomendadas por este organismo em 2015 e dirigidas a deputados, juízes e magistrados do Ministério Público dos países membros, apenas três estão implementadas em Portugal (cf. aqui).
Não é de mais repetir. Em sete anos, Portugal adoptou apenas três das 15 medidas anti-corrupção recomendadas pelo Conselho da Europa. Como os deputados, os juízes e os magistrados do Ministério Público são, por excelência, os combatentes da corrupção no país, é caso para dizer, quase parafraseando o juiz brasileiro Gilmar Mendes que diz que "Os combatentes da corrupção gostam muito de dinheiro" (cf. aqui), que, em Portugal, "Os combatentes da corrupção gostam muito de corrupção" (caso contrário, já teriam dado o exemplo a combatê-la no seu próprio seio).
As medidas que estão por implementar referem-se sobretudo à prevenção de situações de conflito de interesses, de que o exemplo maior e mais recente em Portugal é o da ex-ministra da Justiça, Francisca van Dunem. Uma juíza conselheira que também é ministra; uma ministra que é promovida a juíza conselheira enquanto é ministra; uma juíza conselheira que, enquanto ministra, faz leis que beneficiam os juízes conselheiros e, portanto, ela própria; finalmente, uma ministra que se reforma como juíza conselheira sem nunca ter desempenhado o cargo de juíza conselheira.
É obra!
Pior é difícil, talvez só em África. E, no entanto, tudo isto é aceite com a máxima naturalidade no país.
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