Se existe uma palavra - uma só - que pode ser utilizada para caracterizar o nosso sistema de justiça, essa palavra é impostura. Nada daquilo que se diz, portas dentro do sistema de justiça, corresponde à realidade. É só aparência. Uma vezes, a diferença entre a aparência e a realidade é pequena, noutras é radical.
Foi o presidente do Supremo Tribunal de Justiça que veio defender recentemente, e em duas ocasiões, a extinção do Tribunal Central de Instrução Criminal, também conhecido por Ticão. Entretanto ontem, a ministra da Justiça veio dizer que o Ticão não será extinto (cf. aqui).
O ponto que quero salientar neste post é o de que é uma impostura chamar tribunal ao Ticão (e o mesmo acontece com os Tic's, os tribunais de instrução criminal). O ponto seguinte é o de concluir que andar a fazer a reforma da Justiça chamando nomes às coisas que elas não são é o primeiro passo para não se reformar coisa nenhuma.
A função de um tribunal é julgar. Em consequência, um tribunal produz dois tipos de decisões - condenação e absolvição. Não é essa a função dos Tic's ou do Ticão. O Ticão não julga, o Ticão não produz decisões de condenação ou de absolvição.
O Ticão tem uma função muito diferente. O Ticão acusa e, portanto, as suas decisões são de acusação ou de não-acusação. A conclusão é inevitável: o Ticão não é um tribunal.
Então o que é o Ticão (e os Tic's)?
O Ticão é o departamento central de acusação e os Tic's são departamentos regionais de acusação.
Um país onde ainda se chama tribunal a um departamento de acusação é um país que ainda não se livrou da sua cultura acusatória que é a cultura da Inquisição. Na realidade, os Tic's correspondem aos antigos "tribunais" da Inquisição e o Ticão ao "Tribunal" Central da Inquisição.
Chamar "Tribunal" ao Ticão, chamar "tribunais" aos Tic's é uma impostura. Ninguém vai conseguir reformar a justiça quando é a própria cultura judicial prevalecente que chama tribunal a uma instituição que é, rigorosamente, o oposto de um verdadeiro tribunal.
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