26 abril 2021

bastante melhor

"Se me é permitida mais uma nota pessoal, direi que de crítico, o autor destas linhas passou a céptico. Concluiu, na recta final da sua vida de jurista, que tenta tornar em recomeço para ganhar o fôlego da esperança, que, lamentavelmente, em muitas facetas o regime jurídico-penal a que se opôs publicamente, porque era o de uma ditadura, não era pior, em alguma das suas facetas, do que aquele que temos de suportar no que se proclama como sendo uma democracia" (cf. aqui, ênfase meu).

Eu estou convencido que, "em algumas das suas facetas" (sic), era bastante melhor. Desde logo por este pequeno detalhe da legislação que fez a reforma do sistema penal em 1945:

«o Ministério Público constitui uma magistratura hierarquicamente organizada na dependência do Ministro da Justiça e sob a chefia directa do Procurador-Geral da República» (ibid).

Quer dizer, o Ministério Público, no Estado Novo, não era o Diabo à Solta que se tornou em democracia.

É um bom exercício imaginar, depois da decisão do juiz Ivo Rosa sobre a Operação Marquês (que não reconheceu 23 arguidos e 172 crimes imputados pelo Ministério Público), o que teria acontecido se o Ministério Público estivesse dependente da ministra da Justiça (e, portanto, do Governo), como estava no Estado Novo.

A ministra da Justiça caía com estrondo e, muito seguramente, o Governo também, e os procuradores do MP seriam alvos de processos disciplinares. Teria sido um escândalo que levaria à imediata reforma da justiça penal. Como é possível que se acusem 23 inocentes e se imputem 172 crimes que não existem?, seria a pergunta que todos fariam e para a qual só existem duas respostas possíveis - perseguição política ou grossa incompetência.

Esta ameaça, de que pela sua incompetência ou sectarismo, poderiam causar escândalo público e fazer cair um Governo era suficiente para manter os procuradores do Ministério Público dentro de limites razoáveis durante o período do Estado Novo.

Ao passo que assim, tal como existe em democracia, onde o Ministério Público não responde perante ninguém, nada acontece. Os políticos vão continuar entretidos a discutir o "enriquecimento ilícito" como se isso fosse uma reforma do sistema de justiça penal, e os procuradores do Ministério Público vão continuar a actuar como verdadeiros criminosos acusando pessoas inocentes com crimes que só existem na sua imaginação inquisitorial.

 

Sem comentários: