Na origem da ordem dada pelas magistradas do Ministério Público à PSP para vigiar jornalistas (cf. aqui), está uma investigação do DIAP-Lisboa ao crime de "violação do segredo de justiça" consagrado no artº 371º do Código Penal (cf. aqui).
Não falta quem, desde há muito, considere com razão que este crime deve ser banido do Código Penal.
Mas, então, a justiça não precisa de segredo?, perguntar-se-á.
Sim, em certas circunstâncias, a justiça precisa de segredo. O que a justiça não precisa é de uma lei que consagre o segredo de justiça, e que considere crime a sua violação.
A PJ quando anda infiltrada em redes criminosas precisa obviamente de segredo. Não precisa é da lei porque os seus agentes sabem que, se a sua acção não fôr mantida em segredo, são as suas vidas que estão em risco.
Então, para que serve o crime de violação do segredo de justiça?
É um daqueles crimes inquisitoriais, que estão ainda no nosso Código Penal porque, na Justiça, ainda não se fez a reforma democrática que lhe permita libertar-se da sua tradição inquisitorial.
O crime de violação do segredo de justiça não serve, nem nunca serviu, mais ninguém senão a Inquisição, hoje Ministério Público. Nos países de longa tradição democrática este crime não existe.
O propósito principal da Inquisição era - sob a aparência de estar a fazer justiça -, destruir a reputação e arruinar a vida de pessoas que pensavam e falavam diferente da maioria, sendo que inicialmente a diferença era de natureza religiosa, e mais tarde - como hoje - passou a ser política.
Por outras palavras, a Inquisição - hoje, Ministério Público -, sob a aparência de estar a fazer justiça, visava destruir pessoas que não tinham cometido crime nenhum, e cuja única "falta", se assim se pode dizer, era a de que perfilhavam ideias diferentes das católicas (hereges) e, mais tarde, pessoas que partilhavam ideias diferentes do poder político do momento (opositores ao regime).
Era para dar cabo destas pessoas que não tinham cometido crime nenhum, mas que "precisavam de ser destruídas" em nome de uma alegada "paz social", que o crime de violação do segredo de justiça servia, e ainda hoje serve às mil maravilhas.
Assim:
O Ministério Público (que é o principal violador do segredo de justiça) deixa cair para a imprensa que o político ou empresário X está sob investigação pelo crime de corrupção e detalha uma série de alegados factos que lhe são imputados.
A história vem nos jornais e o político X fica com a sua reputação afectada e a sua carreira em risco. A sua primeira reacção é procurar ter acesso ao processo para se defender das imputações que o Ministério Público lhe faz.
É nessa altura que o Ministério Público lhe nega acesso ao processo sob o argumento de que ele se encontra em segredo de justiça.
Esta situação pode durar anos, mantendo a suspeita sobre o político e sem lhe dar qualquer possibilidade de defesa.
Este crime que ocorre no processo penal - o campo privilegiado de actuação da Inquisição, hoje Ministério Público - é apenas mais uma maneira pela qual se manifesta a falta de imparcialidade (ou equidade) do sistema penal português, dando ao acusador uma enorme vantagem sobre o réu, quando os pratos da balança deviam estar equilibrados.
O acusador pode manter a reputação do acusado manchada durante anos, e, às vezes, destruída para a vida, sem nunca lhe dar a possibilidade de se defender. E, passados muitos anos, quando se vai ver, ou o processo é arquivado ou vai a julgamento e o réu é absolvido. Porém, o objectivo foi conseguido - destruir uma pessoa inocente.
Crime mais inquisitorial ou anti-democrático é difícil imaginar. Mas é destes crimes precisamente que o Ministério Público gosta.
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