14 janeiro 2021

A protecção das fontes jornalísticas (II)

 (Continuação daqui)

II. Pedra angular



A CEDH atribui uma grande importância ao direito à liberdade de expressão (cf. aqui) porque este é o direito fundador da democracia.

Nos alvores da Idade Moderna, o direito à liberdade de expressão começou por ser um direito à liberdade de expressão religiosa, reclamado por aqueles que criticavam a corrupção prevalecente na Igreja Católica e viriam a dar origem às várias correntes do protestantismo.

A Igreja reagiu instrumentalizando em sua defesa, com a Inquisição, os dois países católicos mais importantes à época - Espanha e Portugal. O propósito da Inquisição era impedir e pôr na cadeia toda a expressão religiosa que não fosse católica - as principais sendo a protestante, a judaica e a muçulmana.

Portugal carrega desde então uma tradição cultural que é adversa à liberdade de expressão e que, na justiça, se exprime pela cultura inquisitorial. O Ministério Público exprime hoje no pais aquilo que outrora foi a Inquisição, e mais recentemente a PIDE, que é uma aversão radical à liberdade de expressão.

Na jurisprudência do TEDH, a liberdade de expressão só pode ser restringida em casos muito excepcionais e importantes, correspondendo a uma necessidade social imperiosa. Por exemplo, se num teatro, às escuras, com trezentas pessoas lá dentro, eu me levantar e gritar "Há fogo!", levando a que as pessoas saiam em pânico e se atropelem, isso, para o TEDH, não é liberdade de expressão, é crime.

Mas fora estes casos-limite, em que haja uma necessidade social imperiosa que justifique a compressão deste direito perante valores mais altos (v.g., vida, segurança),  o direito à liberdade de expressão é reconhecido pelo TEDH com uma enorme amplitude.

Dentro do direito à liberdade de expressão, reveste particular relevância o direito à liberdade de imprensa, porque a imprensa é vista como o "cão de guarda" (watchdog) da democracia. Só uma imprensa livre que, entre outras coisas, possa  livremente criticar os poderes instituídos e denunciar os seus abusos, leva a que esses poderes sejam colocados ao serviço do interesse público, e não de interesses privados. 

A liberdade de expressão não vale só para dizer bem. Na realidade, ela é sobretudo útil para dizer mal. Daí, aquela que é, talvez, a frase mais citada da jurisprudência do TEDH: "A liberdade de expressão vale não somente para as ideias favoráveis, inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que ofendem, chocam ou inquietam".

E é sobretudo destas últimas que a cultura portuguesa não gosta porque os corruptos que prosperavam na Igreja Católica no princípio do século XVI, quando, por causa disso, se desencadeou o movimento protestante - bem como os corruptos que hoje grassam nos governos e nas instituições dos países de tradição católica -, não gostam de ser ofendidos, nem chocados nem, sobretudo, que lhes perturbem a paz de espírito.

Ora, era a Inquisição que lhes permitia tudo isto e evitava que eles fossem ofendidos, chocados ou inquietados. Hoje, é o Ministério Público que desempenha esse papel.

Depois de considerar que uma imprensa livre é o guardião da democracia, o TEDH só pode considerar que "a protecção das fontes jornalísticas é uma das pedras angulares da liberdade de imprensa".

A racionalidade desta afirmação vem a seguir: "A ausência desta protecção poderia desencorajar as fontes jornalísticas a colaborar com a imprensa para informar o público sobre questões de interesse geral. Em consequência, a imprensa poderia ser levada a retrair-se no seu papel de cão de guarda e na sua função de fornecer informações precisas e fiáveis" (cf. aqui, p. 59).

(Continua)

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