14 janeiro 2021

A protecção das fontes jornalísticas (I)

 I. Ministério Público

Há dois aspectos na História de Portugal de que os portugueses, aos olhos da modernidade, não se podem orgulhar - a Inquisição e o tráfico de escravos.

A Inquisição está ainda hoje presente no sistema judicial português. A instituição judicial mais representativa da tradição inquisitorial portuguesa é o Ministério Público; o código mais representativo dessa tradição é o Código do Processo Penal (cf. aqui); e o Tribunal mais representativo dela é o Tribunal de Instrução Criminal.

A tradição inquisitorial exprime-se no sistema judicial português através de uma cultura jurídica que é antiquada (medieval), autoritária, provinciana (de pequena comunidade), parcial e persecutória. O caso que envolve os jornalistas mandados espiar pelo Ministério Público começa por ser um caso de perseguição.

Portugal só se reforma de duas maneiras - pelo escândalo ou a partir do exterior. O caso em apreço envolve estas duas componentes - é um escândalo e, ao mesmo tempo, remete para uma convenção internacional que Portugal subscreveu em 1978 - a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH, cf. aqui) -, que é lei no país.

Nesta série de posts, e utilizando o caso referido, pretendo mostrar como a justiça portuguesa, na pessoa do Ministério Público, exibe as facetas inquisitoriais que mencionei - medieval, autoritária, provinciana, parcial e persecutória - que são exactamente contrárias àquelas que, hoje em dia,  se espera de um sistema de justiça - a saber, que seja moderno, democrático, aberto, imparcial e isento. 

Em outras ocasiões, tenho descrito o Ministério Público como O Diabo à Solta. Ora, o diabo é o símbolo teológico do caluniador e a primeira e mais distintiva característica do caluniador é a mentira. Por isso, pretendo também mostrar, sempre por referência ao caso dos jornalistas, como o Ministério Público mente com facilidade. 

Na realidade, estando os magistrados do Ministério Público protegidos por um regime de imunidade, podendo dizer e fazer aquilo que muito bem entendem, sem terem de assumir responsabilidades por aquilo que dizem e fazem, a mentira e a impostura são os dois traços características da cultura que reina na instituição.

Para efeitos do caso em análise, quando o Ministério Público invoca a lei, está normalmente  a referir-se ao Código do Processo Penal (CPP). Porém, quando o CPP colide com a CEDH  - o que acontece com inusitada frequência, porque o CPP releva de uma cultura inquisitorial e a CEDH releva de uma cultura democrática - a lei que prevalece é a CEDH e a jurisprudência que lhe está associada, que emana do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH).

O caso envolvendo os jornalistas mandados espiar pelo MP é um caso que diz respeito ao direito à liberdade de expressão previsto no artº 10º da CEDH e à protecção das fontes jornalísticas.

Uma súmula muito resumida sobre o a jurisprudência do TEDH acerca do direito à liberdade de expressão pode ver-se aqui.

Um resumo mais desenvolvido sobre a jurisprudência do artº 10º  e, concretamente, sobre a protecção das fontes jornalísticas pode encontrar-se no Guia editado pelo Conselho da Europa, que é a instituição à qual pertence o TEDH (em inglês, cf. aqui; pp. 58 e segs; em francês, cf. aqui, pp. 59 e segs).

Começarei precisamente por fazer um resumo da jurisprudência do TEDH sobre o direito à liberdade de expressão e a protecção das fontes jornalísticas.

(Continua)

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