A história que envolve a ministra da Justiça, que hoje vai ao Parlamento, revela todos os males do sistema de Justiça, e ameaça tornar-se uma caso paradigmático.
1. A mentira. É a mentira que está no centro do caso, e a mentira é também a origem dos grandes males do sistema de justiça. Enquanto advogados e procuradores do Ministério Público (que, na prática, são advogados do Estado) puderem mentir livremente em tribunal, estando protegidos por um regime de imunidade, não é possível fazer justiça. A justiça exige como condição prévia a verdade. Sem verdade não há justiça.
2. A promiscuidade entre a política e a justiça. Francisca van Dunem é magistrada do Ministério Público e, nessa qualidade, é uma agente da justiça. Mas Francisca van Dunem também é ministra e, nessa condição, uma agente política. Em que ficamos, política ou justiça? As duas coisas ao mesmo tempo, levando à politização da justiça e à judicialização da política. A separação de poderes - entre o poder judicial e o poder político, condição essencial à democracia -, não existe em Portugal.
3. A casta e o Estado de Direito. Enquanto magistrada do Ministério Público, compete a Francisca van Dunem zelar para que os portugueses cumpram as regras (leis) vigentes no país. Ora, na sua condição de ministra da Justiça, a ministra não cumpriu as regras que regulam a nomeação para a procuradoria europeia, fazendo batota ostensiva (cf. aqui). As regras são, portanto, para aplicar ao povo, não para aplicar à casta. É esta a concepção do Estado de Direito vigente em Portugal.
4. O sentimento de injustiça. O sentimento de injustiça prevalecente entre o povo português, e a sua desconfiança na justiça, é ilustrado ao extremo pelo juiz que ficou excluído do concurso para procurador europeu sem saber porquê. Já nem mesmo a presença de um juiz no processo inspira a que se faça justiça. O resultado é insólito: um juiz desembargador que se sente injustiçado pela ministra da Justiça a clamar por justiça nos tribunais (cf. aqui).
5. Os conflitos de interesses. A ministra da Justiça tem como chefe de gabinete um juiz, estando o juiz numa posição de subalternidade face à ministra. Como a ministra também é procuradora do MP - isto é, acusadora oficial - como é que o juiz vai decidir se amanhã, do lado da acusação, lhe aparecer a procuradora que hoje é sua chefe? Pobre do réu - é o que se pode antecipar.
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