Os dois acórdãos que referi no post anterior (cf. aqui), procurando responder à mesma questão de direito - que é uma questão de conflito de leis - chegam a conclusões diametralmente opostas.
É altura de perguntar: Qual deles é o melhor?
São os dois maus, e só por acaso um deles dá a resposta certa ao problema que se propõe resolver.
A corrupção do nosso sistema de justiça não está apenas em ter juízes, magistrados do MP e advogados corruptos que, não obstante, em cada uma destas categorias profissionais, eu julgo serem uma escassa minoria. Ela vai muito para além disso. É a cultura prevalecente entre os juristas que é uma cultura corrupta, medieval e absolutamente desajustada aos tempos.
Esta cultura não envolve apenas a corrupção da linguagem, referindo-se a doutas decisões que não são nada doutas ou a venerandos juízes que não são nenhuns deuses.
A corrupção está sobretudo na maneira de pensar e de argumentar que é, com inusitada frequência, absolutamente irracional. Uma das características da argumentação irracional consiste em dar mais importância àquilo que é lateral e acessório ao assunto em discussão do que àquilo que é essencial e importante.
É nesta corrupção da razão que caem ambos os acórdãos a que tenho vindo a fazer referência. Nenhum dos argumentos usados em qualquer deles é um argumento essencial ou sequer importante para responder à questão que ambos se propõem resolver.
Vale a pena, neste momento, reiterar a questão.
Estão em conflito a Lei Ordinária 20/2013 que deu nova redacção ao artº 400º, nº 1, alinea e) do Código do Processo Penal que diz assim
"1. Não é admissível recurso:
e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos",
e o artº 32º da Constituição que diz assim:
"1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso".
O problema do conflito entre as duas leis resolve-se em duas linhas, e qualquer estudante de Direito, ainda que cábula, mas que saiba recorrer à internet, encontra lá a solução. É o princípio da hierarquia das leis:
"Em todos os Estados, as leis apresentam uma hierarquia (uma ordem de importância) na qual as de menor grau devem obedecer às de maior grau. Eis a hierarquia das leis em Portugal: Lei Constitucional - Tratados Internacionais - Lei Ordinária - Decreto Lei (...)" (cf. aqui, ênfases meus).
Portanto, prevalece a Constituição sobre a Lei Ordinária. A Lei 20/2013 é inconstitucional. Todo o cidadão, condenado inovadoramente na Relação, tem direito a recorrer para o Supremo, sem qualquer restrição quanto à natureza da pena porque a Constituição também não a impõe (*).
Se eu tivesse de classificar academicamente os autores dos acórdãos 31/2020 e 646/2020 reprovava-os a todos e escreveria no topo da primeira folha do exame, a vermelho carregado: "Se algum dia eu tiver de ser julgado, peço a Deus que nenhum de vós seja o juiz".
Talvez desse uma nota um pouco melhor aos autores do primeiro acórdão (v.g., 5 valores) do que aos autores do segundo (v.g., 2 valores), não por mérito, mas porque tiveram a sorte de chegar à resposta certa.
O mesmo que faria ao estudante de matemática a quem é perguntado quantos são dois mais dois e ele responde: "Ora... dois mais vinte e dois... são quarenta e dois... menos trinta e dois... são quatro... Quatro, professor... a resposta é quatro!...".
Por alguma razão os estudantes fracos a matemática vão para juristas. A matemática educa o pensamento e não permite devaneios.
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(*) A questão é: Quem é que pagaria muitos milhares de euros ao mês aos senhores "juízes conselheiros" para eles darem respostas que até um cábula de Direito encontra na internet? Ninguém. Por isso, eles têm de inventar (densificar em juridiquês). O resultado é o que se sabe.
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