29 novembro 2020

A juíza Rangel (IX)

 (Continuação daqui)


IX. Constança

Eu estou agora em condições de desvendar o mistério que atrás deixei em aberto:

-Quem terá sido o milagreiro que, num só dia do ano de 2012 - o mesmo ano em que os guardas da GNR multaram o juiz Neto de Moura em Loures - transformou a modesta advogada Rangel em juíza conselheira do mais alto tribunal do país, o Tribunal Constitucional? Quem foi o anjo cujas asas levaram a advogada Rangel, num abrir e fechar de olhos, ao andar mais alto do edifício da Justiça em Portugal, fazendo-a entrar pelo telhado?

A resposta está num despacho da agência Lusa de 19 de Abril de 2012 que foi reproduzido em praticamente todos os jornais desse dia: "PSD indica Maria José Rangel de Mesquita para o Tribunal Constitucional" (cf. aqui e tb. aqui e aqui).

Ora, acontece que no processo judicial senhor R vs. senhor J  não é apenas questão de o senhor R se chamar Rangel. O senhor Rangel é também um alto dirigente do PSD, já foi líder parlamentar do Partido, já disputou a liderança do Partido, embora a tenha perdido, e é actualmente o chefe dos eurodeputados do Partido em Bruxelas.

No processo, ele acusa duplamente o senhor Jota, em nome individual (por difamação agravada) e em representação de uma sociedade de advogados, de nome C., de cujo escritório era director numa cidade do país (por ofensa a pessoa colectiva). Para o tribunal de primeira instância ele levou uma armada de 14 testemunhas, tudo boys do PSD e alguns do CDS, que estava na altura coligado com o PSD no Governo do país.

As testemunhas incluíam dez advogados, todos ligados ao PSD, vários administradores hospitalares, que eram os mandatários do PSD nas administrações dos hospitais públicos, dirigentes de uma associação empresarial que era um coio de políticos do PSD. Não faltou sequer um boy que, na tenra idade de 32 anos, o PSD havia catapultado para juiz conselheiro do Tribunal Constitucional.

Para representar o senhor R e a sociedade de advogados C - que, na altura, era uma célula do PSD - foi escolhida uma sociedade de advogados que ostenta na sua designação social o nome de um barão do PSD, entretanto falecido. Durante as sessões de primeira instância tornou-se mais ou menos claro que a sociedade de advogados C - e, portanto, o PSD - tinha os magistrados do Ministério Público na mão.

Pois, este processo judicial que está agora no Tribunal Constitucional, envolvendo, por um lado, o senhor Jota e, por outro, o político Rangel, mais a armada do PSD que o acompanha, foi, por distribuição aleatória - que é assim que são distribuídos os processos nos tribunais do país - parar às mãos da juíza Rangel que deve a sua nomeação para "juíza conselheira" do Tribunal Constitucional precisamente ao PSD. 

Que pouca sorte, a do senhor Jota. Que sorte, a do político Rangel.

Quanto ao teor do acórdão 646/20, e à questão de saber se a juíza Rangel decidiu a favor do senhor Jota ou contra ele e a favor do político Rangel, é um mistério que só a sua publicação no site do Tribunal Constitucional poderá desvendar - uma publicação que tarda em concretizar-se, vá-se lá saber porquê (cf. aqui).

Eu não li o livro "Um momento na vida de Constança", mas apenas a sinopse (cf. aqui). Em certos sites, a autoria deste livro é atribuída à juíza Rangel, embora noutros seja atribuída a uma outra Maria José Mesquita.

Parece ser uma história bonita de uma menina, de nome Constança, que nasceu humilde e um dia se fez à vida até acabar numa mulher de sucesso, mau grado as vicissitudes por que passou. Seja ou não a autora de Constança, a juíza Rangel tem o ar de escritora de histórias com finais felizes.

Fiquei comovido ao imaginar a história de vida de Constança. Adivinho que ela nunca se deixou corromper pelo caminho. Ao contrário do que aconteceu à juíza Rangel.

(Continua)

Sem comentários: