A acusação da Operação Lex, hoje divulgada oficialmente pelo Ministério Público (cf. aqui), tem todos os ingredientes da tradição que o Ministério Público herdou da Inquisição (O MP foi criado em 1832 em substituição da Inquisição que foi extinta em 1821).
Mencionarei aqui três desses elementos da tradição inquisitorial.
Primeiro, a fogueira.
Durante um largo período de tempo, os condenados pela Inquisição eram queimados vivos na praça pública. Hoje, continuam a ser queimados, mas já não são esturricados, o que representa um progresso. Hoje são queimados no circo mediático e a sua imagem arruinada para sempre. Daí a pressa que o Ministério Público teve em fazer chegar ilegalmente a acusação à TVI, vários dias antes de ela ser conhecida pelos arguidos e pelos seus advogados, como manda a lei.
Um dia, quando forem julgados, os arguidos podem vir a ser considerados inocentes pelos tribunais. Mas da fama de que são criminosos é que já ninguém os livra. Essa fama permanecerá para sempre. A sua reputação ficou queimada na praça pública - o que, não obstante, é uma sorte, porque se fosse há uns séculos atrás, eram eles próprios que seriam queimados na praça pública.
Segundo, a pena antes do julgamento - o confisco.
Os arguidos ainda não foram julgados, mas já estão a sofrer penas. Para dois deles, pelo menos, foi decretado o arresto dos seus bens pelo Ministério Público (cf. aqui). Não existe ainda julgamento, menos ainda condenação, mas já existe a pena. É a violação grosseira de um dos mais antigos preceitos da justiça - o de que o réu é considerado inocente até trânsito em julgado da sentença que o condena.
Mas nada disto, excepto para consumo público, faz parte da tradição portuguesa de justiça penal. Na tradição portuguesa herdada da Inquisição, o MP acusa, julga e aplica a pena, ainda que provisória, confiscando os bens aos arguidos.
Era assim também na Inquisição, uma parte - às vezes, a totalidade - dos bens confiscados revertia para os próprios inquisidores, daí a pressa que eles tinham em decretar o arresto dos bens dos arguidos.
Hoje não é diferente. Os salários exorbitantes que os magistrados do MP auferem contêm um prémio resultante dos confiscos que eles fazem a favor do Estado. E eu não ficaria surpreendido que no Ministério Público existisse um saco azul semelhante àquele que existe no Fisco (cf. aqui) em que uma parte do dinheiro arrestado reverte directamente para os magistrados do MP.
Terceiro, a devassa da vida íntima.
A devassa da vida íntima e, particularmente, da vida sexual dos arguidos, era uma das imagens de marca da Inquisição. Esta tradição tem tido continuação no Ministério Público. Foi o caso da Operação Marquês, onde, em parte, foi exposta a vida sexual do ex-primeiro ministro José Sócrates e das suas namoradas.
Acontece agora também na Operação Lex com o juiz Rui Rangel, a quem são atribuídas duas amantes. O Ministério Público chega ao ponto de passar para a comunicação social, e esta reproduzir, a maneira como ele tratava pelo menos uma delas: "Boneca..." (cf. aqui).
A devassa da vida íntima do arguido é um dos elementos centrais da cultura de crueldade que caracterizava a Inquisição e que hoje caracteriza o Ministério Público. Tem em vista retirar ao arguido toda a humanidade e fazê-lo sentir-se como um animal, porque um dos elementos que diferencia um ser humano de um animal é precisamente o facto de o ser humano ter intimidade e o animal não a ter.
Quanto à obsessão com a vida sexual do arguido, que era outra das imagens de marca da Inquisição, e que continua hoje a ser uma imagem de marca do Ministério Público, tem que ver com o facto de os inquisidores terem sido originalmente padres.
Embora, na reforma de Mouzinho da Silveira de 1832, em que o Ministério Público ocupou o lugar da Inquisição, os inquisidores deixassem de ser padres para passarem a ser juristas, as marcas deixadas pelos padres mantiveram-se no Ministério Público.
Mantiveram-se, por exemplo, no traje, em que o actual magistrado do Ministério Público não se distingue do cura tradicional (cf. aqui). E mantiveram-se também na obsessão pela vida sexual do arguido.
O padre católico não pode fazer sexo. Ele não pode, portanto, desfrutar de um dos maiores prazeres que Deus colocou no mundo. A sua curiosidade pelo mistério do sexo só pode ser, ela própria, do tamanho do mundo. Não podendo ele próprio desfrutar do sexo, ele desfruta de imaginar os outros a fazê-lo.
O padre católico é o voyeur por excelência e um país de cultura católica é um país de voyeurs. É esta cultura de voyeurismo que está hoje instalada no Ministério Público como outrora esteve na Inquisição.
É esta obsessão pelo sexo que existia na Inquisição e que continua presente no Ministério Público. Não podendo fazer a coisa, os inquisidores deleitavam-se a imaginar o arrebatamento com que os outros a faziam: "Quero-te... boneca!…"
Sem comentários:
Enviar um comentário