José Sócrates processou o Estado português por demora na execução da justiça, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa (cf. aqui).
É o primeiro passo numa caminhada judicial que, com elevada probabilidade, terminará no TEDH e na condenação do Estado português por violação do artº 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem ("Direito a um Processo Equitativo").
A acusação da chamada Operação Marquês é, sob muitos aspectos, o paradigma do processo inquisitório, versão século XXI.
Demorou cinco anos, tem 4000 páginas e milhões de ficheiros informáticos em anexo. Neste momento, não se sabe ainda sequer se os arguidos vão a julgamento. No caso de haver julgamento, vai demorar anos, e os recursos vão demorar muitos mais. É muito provável que o processo ainda esteja a correr, sem sentença definitiva, quando os arguidos morrerem.
Não pretende o acusador neste processo - que é o Ministério Público - como não pretendia no tempo da Inquisição - o seu antecessor - obter uma condenação em tribunal, e essa provavelmente nunca virá. Pretende, antes, matar civicamente (e politicamente) o arguido, e isso consegue-se mantendo sobre ele a suspeita até à morte. As penas mais cruéis de Inquisição nem sempre estavam na sentença. Muitas vezes estavam no processo. Assim está a acontecer com Sócrates.
Sócrates é arguido vai para seis anos, já esteve preso sem sequer ser julgado e pode vir a morrer sem ser declarado culpado ou inocente. Nenhum sistema de justiça decente faz isto a quem quer que seja, que é matar civicamente uma pessoa, lançando sobre ela suspeitas que se prolongam por tempo indeterminado, às vezes até à morte.
Seis anos é tempo mais que suficiente para, havendo crime e provas, o arguido seja julgado e condenado. Ou, não havendo nada disso, o processo seja arquivado. Porém, em seis anos nada disto se verificou nem é expectável que se verifique nos próximos anos.
O Estado português pode não ser condenado nos tribunais portugueses, porque o próprio Tribunal Administrativo e Fiscal é lento (a queixa de Sócrates foi apresentada em Fevereiro de 2017 e só agora, três anos depois, o tribunal está a agendar o julgamento), e os juízes estão a julgar o seu próprio patrão-Estado, mas é certo que será condenado, em última instância, no TEDH e José Sócrates indemnizado.
Não é nada de novo para o Estado português. Desde que aderiu à CEDH em 1978 já foi condenado pelo TEDH por atrasos na justiça cerca de 150 vezes (cf. aqui).
Quem é responsável por esta situação?
Existem, até ao momento, dois responsáveis principais pela demora da justiça na Operação Marquês, o procurador Rosário Teixeira, que dirigiu acusação por parte do Ministério Público, e o juiz de instrução Carlos Alexandre.
Deveriam ser eles a pagar a indemnização a José Sócrates quando chegar o momento, mais do que certo, de o TEDH condenar Portugal. Mas, como se sabe, gozam de um regime de imunidade, não respondem por aquilo que fazem no exercício da sua profissão, e quem vai acabar a pagar a José Sócrates é o contribuinte português.
É assim que funciona a justiça no país que tem os melhores magistrados do mundo (cf. aqui).
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