III. Os chifres
Continuo a citar do trabalho do Jornal i que referi no post anterior acerca de sentenças e acórdãos envolvendo "crimes" de ofensas à honra:
"Os
tribunais são especialistas em encontrar significados incríveis para as
expressões do povo. Em 2002, o Ministério Público deduziu uma acusação pelo
crime de ameaça porque “durante uma discussão, o arguido ameaçou o ofendido,
dizendo que lhe dava um tiro nos cornos”. Mas o juiz não aceitou a acusação por
entender que não existia crime já que o ofendido é “um ser humano” e “um ser
humano não tem cornos”: ou seja, não é um veado ou outro bicho que o valha. Mas
a Relação de Lisboa teve entendimento diferente: “Será porque por não ter cornos
não tem de ter medo, já que não é possível ser atingido no que não se tem?”,
questionou o juiz-desembargador. Além disso, continuou, “num país de tradições
tauromáquicas e de moral ditada por uma tradição ainda de cariz marialva, não é
pouco vulgar dirigir a alguém expressão que inclua a referida terminologia”.
Dois anos depois, a Relação de Évora usou o mesmo raciocínio, invocando que o
sentido de “dar um tiro nos cornos” é “necessariamente metafórico”: “Quando se
alude a um ser humano cornudo, ou que tem cornos, pretende aludir-se a que é
vítima de traição sexual do seu parceiro, ou seja, tal epíteto é consequente da
consideração de haver infidelidade sexual do seu consorte”. Os chifres voltaram
a ser objecto de discussão jurídica em 2011: o Tribunal da Relação de Coimbra
entendeu que usar a expressão “fodo-te os cornos” não representa crime de
injúria, apenas “falta de educação por parte de quem a profere”: “É uma
expressão que se assemelha ao ‘vou-te ao focinho’.”
in Jornal I,
06.12.2012
Aqui gostei sobretudo da última parte relativa ao entendimento dado pelo Tribunal da Relação de Coimbra à expressão "fodo-te os cornos". Fez-me lembrar aquele juiz que disse ao irmão, encostando-lhe a arma à cabeça: "Estouro-te os miolos!" (cf. aqui). Podia ter dito igualmente "Fodo-te os cornos!" que não era crime.
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