(Continuação daqui)
Quando, a partir dos alvores da modernidade, a monarquia absoluta cedeu progressivamente o lugar à democracia liberal e a fonte da soberania passou do rei para o povo, o que é que aconteceu à figura do magistrado do Ministério Público?.
Na monarquia absoluta ele era o representante do rei e a figura que, em cada localidade, zelava pelo respeito da legalidade monárquica (que era a vontade do rei absoluto), identificava os opositores políticos ao rei, e criminalizava-os, desencadeando a acção penal.
Agora, na democracia liberal, a soberania já não residia no rei, mas no povo, portanto o magistrado do MP passou a apresentar-se como o representante do povo, o zelador ou fiscal da legalidade democrática propondo-se fazer em relação ao povo aquilo que antes fazia em relação ao rei: representar o povo e assegurar que as leis (democráticas) feitas pelo povo são cumpridas, e também identificar os inimigos do povo (democracia) e persegui-los criminalmente.
A função do Ministério Público é, portanto, uma função política, como sempre foi, desde que foi criado pela Igreja Católica com o nome de Inquisição (na altura, a política identificava-se com a religião).
É precisamente neste ponto que surgem duas questões cruciais:
(i) Será que uma instituição que foi criada para combater e impedir a democracia liberal, que é caracterizada pelo pluralismo ideológico e a liberdade de pensamento e de expressão, vai conseguir defender a democracia liberal?
(ii) E, sendo a função do Ministério Público uma função política, está o Ministério Público legitimado democraticamente para exercer essa função numa democracia liberal?
Começo por responder à segunda questão. Nos países com a mais longa tradição democrática, como é notoriamente o caso de Inglaterra, o Ministério Público está sob a autoridade do Governo democraticamente eleito, na pessoa do Ministro da Justiça. Por outras palavras, o Ministro da Justiça e, em última instância, o Governo, respondem pela acção do Ministério Público. O Ministério Público não é O Diabo à Solta que é em Portugal ou em Espanha.
Pelo contrário, em países com uma curtíssima e atribulada experiência democrática, e ainda por cima com a mais vincada tradição inquisitorial - como são Portugal e Espanha - o Ministério Público anda à solta, é autónomo, não é eleito democraticamente nem deve obediência aos poderes democraticamente constituídos, como são os poderes legislativo e executivo.
Não respondendo perante ninguém, e tendo poderes extraordinários para desencadear a acção penal contra qualquer pessoa ou instituição, o Ministério Público passa a ser uma instituição absolutamente livre para desempenhar a função para a qual foi criado há oito séculos pela Igreja Católica e em que se tem mostrado muito eficaz ao longo da história - impedir a democracia liberal e, no limite, matá-la.
Para evitar este resultado, existe uma solução que os países com uma longa experiência democrática há muito descobriram - meter o Ministério Público na gaiola, colocá-lo como um departamento do Ministério da Justiça e sob a tutela do Governo democraticamente eleito.
Os inimigos da democracia têm de ser metidos na gaiola porque, deixados à solta, tornam-se diabos e matam a democracia. É preciso meter o Ministério Público na gaiola antes que seja o Ministério Público a meter a democracia na gaiola.
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