A pretensão de uns quantos magistrados anónimos do Ministério Público de ouvirem o primeiro ministro e o presidente da república em exercício no caso de Tancos - uma pretensão a que o juiz Carlos Alexandre, aparentemente, está a dar provimento (cf. aqui) - mostra o ponto a que foi levado o abuso de poderes por parte do Ministério Público.
Neste blogue, tenho-me referido ao Ministério Público como a Inquisição dos tempos modernos ou a PIDE da democracia. O meu propósito neste post é o de fundamentar estas designações. Para isso, um pouco de história é necessário.
Primeira questão: Quem criou a figura do magistrado do MP?
Na sua versão original, o magistrado do MP é uma criação da Igreja Católica. Foi criado pelo Papa Gregório IX quando estabeleceu a Inquisição em 1233 (cf. aqui) e chama-se inicialmente inquisidor.
Perante as heresias que ameaçavam a unidade da Igreja nos séculos XII e XIII, os inquisidores são representantes (ou procuradores ou fiscais) nomeados pelo Papa, e que actuam em nome do Papa, para identificarem e punirem os hereges.
A função dos inquisidores é a de assegurarem a uniformidade do pensamento católico, a conformidade com as ideias sociais prevalecentes, que são as ideias católicas, e agir contra toda a diferença, que é considerada heresia.
Eles são os polícias ou fiscais do pensamento, os adversários por excelência da liberdade de consciência e de expressão. Ainda hoje em Espanha eles têm o nome de fiscales. Na linguagem vulgar, eles são os bufos que denunciam os hereges às autoridades religiosas para acção penal.
A Inquisição vem a ter a sua maior expressão e ferocidade entre os séculos XVI e XVIII na Península Ibérica porque, devido à sua posição dominante no mundo, são a Espanha e Portugal que assumem o encargo de combater a revolta protestante desencadeada no norte da Europa. É portanto, na cultura e nas instituições dos dois países ibéricos que as marcas da Inquisição são deixadas de uma maneira mais vincada.
Em breve os reis absolutos se deram conta da genialidade desta instituição para assegurar a unidade dos seus reinos e eliminar a oposição política, e nomeiam procuradores que andam pelo reino a identificar os opositores e a desencadear a acção penal contra eles. Daí que os magistrados do MP sejam frequentemente referidos como procuradores.
Na Idade Média, os reis absolutos da Europa identificavam-se com a Igreja Católica - como era o caso em Portugal e Espanha - pelo que a oposição à Igreja era também oposição ao rei, e vice-versa. A ferocidade e a eficácia da Inquisição ibérica resultou largamente desta associação entre o Estado e a Igreja.
O magistrado do Ministério Público é, portanto, na sua origem, o representante do poder absoluto, seja como inquisidor - o representante do poder absoluto do Papa -, seja como procurador do rei - o representante do poder absoluto do rei. Ele é, portanto, na sua genética, um adversário radical da democracia.
(Continua)
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