O Juiz-Pistoleiro
(Novela)
Cap. 19. A cadeira do juiz
A quinta sessão do julgamento de Joe Pistolas no tribunal de Littlebushes foi inteiramente dedicada a discutir um requerimento da defesa.
Maria Odete, a advogada de Joe Pistolas, leu em voz alta uma carta do xerife de Slaughterville, uma pequena cidade do estado de Oklahoma nos EUA, a solicitar a presença urgente de JPS (Joe Pains Saints, correspondente a José das Dores dos Santos), como era conhecido na América.
Joe Pistolas era ajudante do xerife naquela cidade de apenas quatro mil habitantes. Aquilo que o xerife lhe dizia na carta era que, ou ele se apresentava ao serviço no prazo de uma semana, ou seria, pura e simplesmente, despedido.
Maria Odete requeria, assim, ao tribunal autorização para que Joe Pistolas se ausentasse por um mês para os EUA a fim de ir explicar ao patrão a situação em que se encontrava perante a justiça no seu país de origem.
Nesse dia, notava-se um certo nervosismo na tribuna onde estavam sentados, ao centro, o juiz Francis dos Coldres e, na ponta, à sua direita, o magistrado Toni Guimarães.
O juiz entrara na sala, como agora parecia ser seu hábito, muito hirto sob a toga, braços no ar, uma pistola em cada mão e um apito na boca. Ao magistrado Guimarães, que entrou atrás também de toga, quem o observasse atentamente, notaria que lhe tremiam as mãos.
Ainda Maria Odete não lera metade do requerimento e já o magistrado Guimarães abanava negativamente a cabeça. E, passados minutos, foi o advogado Adriano, que estava acompanhado do filho, a explicitar o sentimento comum nas hostes da acusação.
-O requerimento que a Ilustríssima, Palidíssima colega apresentou... em representação do Eminentíssimo réu... merece da nossa consideradíssima parte uma reverendíssima recusa…
Estavam os advogados envolvidos nesta quezília quando a Maria Odete citou da carta do xerife que a presença do Joe Pistolas era necessária em Slaughterville porque dois irmãos lá da cidade se tinham envolvido recentemente num conflito e um deles estourou os miolos ao outro.
A ouvir isto, o juiz Francis dos Coldres, que até ali tinha estado mais concentrado nas duas pistolas e no apito que repousavam na tribuna à sua frente, do que no requerimento, deu um salto da cadeira, avançou para o réu, a quem entregou uma das armas, estendeu o apito ao senhor de gravata que estava na primeira fila, e declarou alto e bom som, para quem o quisesse ouvir:
-Vamos a isto!
A sala do tribunal rejubilou.
Foi neste momento de grande agitação que o magistrado Guimarães se levantou da sua cadeira, situada ao canto na tribuna e, discretamente, se foi sentar na cadeira do juiz, ao centro.
Minutos depois, o juiz estava na sua posição de duelista junto à parede do lado esquerdo, Joe Pistolas do lado oposto, o árbitro ao centro, de costas para a tribuna.
O magistrado Guimarães não cabia em si de feliz. Finalmente estava sentado na cadeira onde ele tanto ambicionara sentar-se ao longo da vida mas que nunca conseguira atingir - a cadeira do juiz. Ainda por cima com a sala do tribunal a abarrotar de gente.
O espectáculo estava prestes a começar na sala do tribunal. Na hora e meia que iria seguir-se só se ouviria "prrriii", "pum" e o estrondo do Joe Pistolas a atirar-se para o chão, tudo isto seguido de sonoros aplausos por parte da audiência - uma vez, outra e ainda mais outra.
Para o magistrado Guimarães aquela era a suprema felicidade, estar a assistir àquele emocionante espectáculo, sentado naquela cadeira com a qual ele mil e uma vezes sonhara - a cadeira do juiz. E perante aquela imensa multidão que enchia a sala do tribunal.
Porém, notava-se-lhe um certo nervosismo. Ao cabo de uma hora começou a fazer sinais ao juiz, o dedo indicador e o dedo interior levantados junto à boca em movimentos longitudinais. Puxa para cá, puxa para lá, os dois dedos estendidos, os lábios pareciam soprar.
O juiz não percebeu, entretido que estava com mais uma repetição do duelo e aquela sequência inevitável e sempre gloriosa "prrriii", "pum", e "pás", que era agora assim o barulho de Joe Pistolas a cair no chão.
À medida que o tempo passava, cada minuto parecia agora demorar mais do que o anterior, o magistrado Guimarães continuava a fazer sinais ao juiz, de forma cada vez mais insistente, ao ponto de se tornar aflitiva.
Mas o juiz nem ligava, concentrado que estava no duelo, ia agora já na 108ª repetição.
Até que o magistrado Guimarães, em desespero, escreveu uma mensagem em letras garrafais numa folha A4 que exibiu perante a sala apinhada de gente, e direcionada ao juiz.
A mensagem dizia:
-Estou à rasca para fumar!
E logo trinta e nove pessoas na assistência gritaram em uníssono:
-Também eu!...
Foi nesse momento que o juiz desceu à terra e imediatamente ordenou a interrupção do julgamento para um intervalo de 10 minutos.
O magistrado Guimarães parecia um foguete, foi o primeiro a sair da sala recolhendo-se aos aposentos reservados aos magistrados.
(Continua aqui)
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