Para os leitores mais confundidos, o assunto já deve parecer kafkiano. Mas, na realidade, embora não seja simples, também não é tão complexo como à primeira vista possa parecer.
A questão é a seguinte: Onde é que está o meu case-study neste momento?
Eis-me à procura dele.
Depois do acórdão da Relação do Porto (cf. aqui), eu contestei por duas vias.
Em primeiro lugar, fiz o recurso propriamente dito para o Supremo Tribunal de Justiça, argumentando com o artº 10º da CEDH e a sua jurisprudência. O recurso entrou pelo TRP, que o indeferiu, sob o argumento de que não existe jurisprudência do Tribunal Constitucional que permita admiti-lo.
Perante esta recusa, e usando um artigo do CPP, fiz directamente um requerimento ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça, pedindo para admitir o recurso. Recebi a semana passada a resposta assinada pela vice-presidente do STJ, que o indeferiu também. O motivo foi o mesmo invocado pela Relação do Porto: não existe jurisprudência do Tribunal Constitucional que permita admiti-lo.
Com base nisso, fiz um recurso para o Tribunal Constitucional a pedir-lhe que faça a jurisprudência necessária para dar satisfação ao artigo 32º da Constituição que garante a todo o cidadão o direito a uma recurso, e também, ao artigo 2º do Protocolo nº 7, anexo à CEDH, que garante o direito a um duplo grau de jurisdição.
A questão é que, no crime de difamação agravada ao Paulo Rangel, eu fui condenado pela primeira vez na Relação do Porto, e tenho direito a recurso desta decisão. O recurso terá de ser para o Supremo, que é o tribunal imediatamente superior. Ora, a actual jurisprudência do Tribunal Constitucional só admite recurso para o Supremo se a pena for de prisão, ao passo que a minha é simplesmente de multa.
O ponto importante é, porém, o seguinte: o meu case-study já chegou ao Tribunal Constitucional.
Mas, se fosse só aí…
Eu também recorri da decisão da Relação do Porto por falta de imparcialidade do tribunal, na pessoa do juiz-relator, Pedro Vaz Patto, ao abrigo do artigo 6º da CEDH.
Comecei por fazer um requerimento ao próprio TRP para que anulasse a sentença. Veio indeferido num despacho assinado pela juiz Paula Guerreiro, sem que o TRP se tivesse sequer pronunciado sobre a questão central da minha pretensão - a relação pessoal existente entre o Paulo Rangel e o juiz Vaz Patto no seio da associação O Ninho.
Fiz, então, um segundo requerimento ao TRP voltando a pedir a anulação do acórdão, pedindo também que o TRP se pronunciasse sobre a referida relação pessoal entre o juiz e o Paulo Rangel - o que não tinha feito no despacho anterior - e que o novo despacho viesse assinado pelo colectivo de juízes, que é assim que se pronuncia um tribunal superior.
O requerimento veio indeferido outra vez, embora desta vez viesse assinado pelos três juízes que assinaram o acórdão. Quanto a pronunciar-se sobre as relações entre o juiz Vaz Patto e o Paulo Rangel, é que nada.
Em face disto, recorri para o Supremo sobre a questão da imparcialidade, pedindo a anulação do acórdão da Relação por violação do artigo 6º da CEDH (imparcialidade do Tribunal).
Portanto, o meu case-study também está no Supremo Tribunal de Justiça. Já lá esteve por causa do artigo 10º da CEDH e foi rejeitado. Agora está lá por causa do artigo 6º da CEDH.
Mas se fosse só aí…
A 27 de Setembro esgotava-se o prazo de 6 meses sobre o acórdão da Relação do Porto para recorrer para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. O recurso para o TEDH exige que todas as vias de recurso internas sejam esgotadas. Mas, enquanto o meu case-study andou envolvido em requerimentos junto do TRP, e agora anda envolvido em recursos no Tribunal Constitucional e no Supremo Tribunal de Justiça, a data limite já teria passado.
Pelo que, no início de Setembro, apresentei a queixa no TEDH contra o Estado português (leia-se contra os tribunais e juízes portugueses) por terem violado, em relação à minha pessoa, o artigo 10º da CEDH (liberdade de expressão) e também o artigo 6º (imparcialidade do tribunal). A Queixa foi aceite (cf. aqui)
Quer dizer, neste momento, o meu case-study já está nos dois tribunais mais elevados do país, o Tribunal Constitucional e o Supremo Tribunal de Justiça, e também no Tribunal mais elevado da Europa, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, em Estrasburgo. No primeiro, por causa do artigo 10º da CEDH, no segundo por causa do artigo 6º e no terceiro por causa dos dois.
É assim que funciona a Justiça em Portugal.
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