17 outubro 2019

As ruas de Barcelona (II)

(Continuação daqui)



II. A cultura autoritária




Na origem do problema catalão está uma questão de liberalismo e do direito fundacional da democracia  - o direito à liberdade de expressão.

A Constituição espanhola não permite que os catalães se exprimam em referendo sobre o seu destino colectivo. Apenas o Governo central de Madrid pode convocar referendos e o Governo não o convoca para esta questão.

Eu vivia no Canadá em 1980 quando os independentistas do Québec quiseram fazer um referendo para decidir sobre a sua independência.

(O Canadá é um país maioritariamente anglófono, mas com uma província francófona  - precisamente o Québec).

Lembro-me de, na altura, me ter posto hipoteticamente a questão: como é que o Governo português em Lisboa reagiria se a Madeira decidisse organizar um referendo para decidir sobre a sua independência?

Não hesitei na resposta, que reflectia a minha cultura portuguesa e católica:

-Mandaria para lá as tropas.

Não foi isso que fez o Governo do Canadá em Ottawa. Aceitou o referendo - os habitantes do Québec tinham toda a liberdade para se exprimir sobre o seu destino comum.

Ganhou o Não à independência.

O primeiro-ministro da altura, Pierre Trudeau, pai do actual primeiro-ministro, ele próprio natural do Québec, fez campanha pelo Não.

Anos depois (1995), o Governo provincial do Québec quis fazer outro referendo. Foi feito. O Não voltou a ganhar.

Mais recentemente, o Reino Unido permitiu que a Escócia decidisse livremente, em referendo, o seu destino. A resposta foi também um Não à independência.

Por que é que a Espanha não faz o mesmo em relação à Catalunha,  por que é que os catalães não podem decidir os seus destinos e têm de andar atrelados aos espanhóis para a eternidade?

É uma questão de cultura. É o contraste entre a cultura liberal anglo-saxónica (protestante), em que cada pessoa ou grupo de pessoas tem a liberdade para decidir os seus destinos, e a cultura ibérica, autoritária (católica), em que todos decidem o destino de cada um e de cada grupo (uma atitude cultural frequentemente descrita como "o rebanho").

Os portugueses deviam ser simpáticos à causa catalã, porque eles próprios fizeram o mesmo que os catalães desejam fazer - viver livre e independentemente de Espanha.

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