11 outubro 2019

A imparcialidade dos juizes (II)

(Continuação daqui)

II. Pura conversa fiada


A imparcialidade dos juízes é um tema tratado, na nossa lei interna, no artigo 43º do Código do Processo Penal, que diz assim no seu número 1 (cf. aqui):

"A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade"

Na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a imparcialidade é referida no artº 6º, que diz assim (cf. aqui):

"Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei (…)"

A lei portuguesa impõe condições à contestação da imparcialidade de um juiz, a qual só pode ter lugar por motivo "sério e grave" e, além disso, exige que essa contestação seja feita antes de produzida a sentença, como se fosse responsabilidade do cidadão andar a desconfiar da imparcialidade dos juízes.

A exigência de um motivo que seja ao mesmo tempo "sério e grave" introduz um elemento de subjectividade tão grande que esta lei permite a mais arbitrária das interpretações em cada caso concreto (o motivo é sério? é também grave? ou é só sério, mas não grave?, etc.).

Na prática, esta lei não está feita para os cidadãos, está feita para proteger os próprios juízes quando os cidadãos impugnam a sua imparcialidade, e o incidente de imparcialidade é recusado porque ou o motivo não é sério, ou não é grave, ou não é as duas coisas ao mesmo tempo, ou então porque é extemporâneo (foi apresentado já depois de proferida a sentença).

Pelo contrário, a CEDH fala apenas de um tribunal imparcial, não impondo quaisquer restrições à contestação da imparcialidade do juiz, nem restringindo o momento em que ela pode ser apresentada (antes ou depois de proferida a sentença).

A questão importante neste ponto é a seguinte. Quando se discute a imparcialidade de um juiz em Portugal, que lei, e correspondente jurisprudência, é que vale - a do artº 43º do CPP, ou o artº 6º da CEDH?

Na hierarquia das leis, a segunda tem um estatuto, que lhe é conferido pela própria Constituição, superior ao da primeira. Aplica-se, portanto, o artº 6º da CEDH e a sua jurisprudência porque se um dia a questão da imparcialidade do juiz subir ao tribunal mais elevado para  a resolver - que é o Tribunal Europeu do Direitos do Homem -, é à luz deste artigo e desta jurisprudência que o caso vai ser julgado.

Segue-se que andar a discutir a imparcialidade de um juiz em Portugal à luz do artº 43º do CPP e da respectiva jurisprudência é uma pura perda de tempo. Mas é isso que fazem advogados, magistrados do MP e os próprios juízes.

E é isso que vou mostrar mais adiante citando das peças processuais do meu case study.

Prepare-se para ler a verborreia do Papá Encarnação e do magistrado António Vasco Guimarães, que representa a acusação pública junto do TRP,  acerca do artº 43º do CPP e da sua jurisprudência, que é pura conversa fiada porque nada daquilo interessa. Aquilo que interessa é o artº 6º da CEDH e a sua jurisprudência.

(Continua)

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