Há momentos em que a cultura católica dos portugueses - que é uma cultura anti-democrática, malgré nous - vem ao de cima com toda a nitidez.
Aconteceu esta semana a propósito do artigo da Fátima Bonifácio no Público e revelou-se, entre outros sinais, pelo editorial do Manuel Carvalho, director daquele jornal:
"O texto em causa está, no mínimo, nos limites do discurso de ódio, faz generalizações que põem em causa o combate à discriminação racial, usa linguagem insultuosa para diferentes minorias e coloca ênfase numa radical oposição entre "nós" europeus e os "outros", africanos ou "nómadas". Estão, por isso, em causa, ideias, apologias e valores que o PÚBLICO contraria todos os dias, seja pelo trabalho dos seus jornalistas, seja pela abertura sem reservas que concede aos cidadãos de minorias visadas no artigo". (cf. aqui)
Mais do que com o período do Estado Novo, o clima de opinião suscitado pelo artigo da Fátima Bonifácio assemelha-se ao da Inquisição:
1. A discussão pública termina invariavelmente em moralismo: não se pode dizer isto, não se pode dizer aquilo; não se pode fazer isto, não se pode fazer aquilo;
2. E, por vezes, em acusação criminal porque alguém foi "ofendido".
3. O crime, sob um ou outro nome, é o de blasfémia (delito de opinião).
4. Os padres agora são laicos, ao passo que dantes os moralistas eram padres a sério.
5. Há sempre quem denuncie o herege à Inquisição, que agora se chama Ministério Público.
O Manuel Carvalho, no seu editorial, comporta-se como um verdadeiro padreca - que é assim que os portugueses chamam a um padre laico - definindo os limites da moralidade, estabelecendo a linha a partir da qual começa a censura e acaba a liberdade de expressão, e sugerindo a entrega da herege à Inquisição já que ele, por distração, não foi a tempo de lhe cercear o pensamento e a palavra.
Na esfera pública, e como este episódio trouxe à superfície, Portugal é hoje um país de padres laicos. Mas, ainda assim, um país de padres.
Como sempre foi.
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