04 abril 2019

22 mil euros

Quem vir este comentário (cf. aqui) produzido num canal televisivo local e com diminuta audiência e souber que, passado quatro anos, o Tribunal da Relação do Porto acaba de condenar o seu autor a pagar 22 mil euros por o ter produzido (cf. aqui) (*), provavelmente não vai acreditar.

Em certo sentido, foi um comentário pioneiro, e o pioneirismo paga-se. Alertava para o imenso poder das grandes sociedades de advogados, que a minha condenação no TRP veio agora confirmar. É uma condenação contra a jurisprudência do TEDH que Portugal está vinculado a respeitar, e a uma pena pecuniária que é absolutamente desproporcional. Na realidade, existe também jurisprudência do TEDH sobre a proporcionalidade das indemnizações, a qual foi igualmente ignorada.

São 22 mil euros, assim repartidos: 10 mil para o Paulo Rangel, 5 mil para a Cuatrecasas e 7 mil para o Estado português. Entretanto, passaram 4 anos sobre o comentário e as crianças continuam nos mesmos barracões metálicos contra os quais eu me insurgia. E o dinheiro, em lugar de ir para o benefício das crianças, acaba nas mãos de quem, desde o início, obstaculizou a obra.

O pioneirismo consistiu em alertar a opinião pública para o perigo que as sociedades de advogados representam para a democracia. Têm os pés nos três poderes do Estado, no legislativo, enquanto deputados; no judicial, enquanto advogados; no executivo, enquanto membros dos partidos no poder. Corrompem tudo à sua volta. Em Espanha já compram, sem vergonha, os serviços de juízes do Supremo (cf. aqui).

O recente episódio do Arlindo Marques revela uma das facetas das grandes sociedades de advogados. Não fosse o clamor público que se levantou em volta do Arlindo Marques, e a levou a bater em retirada com o rabo metido entre as pernas, e a Cuatrecasas teria arruinado o Arlindo Marques e tinha-o calado para sempre (cf. aqui).

Em Portugal, a opinião pública vai finalmente despertando (cf. aquiaqui, para além do comentário em baixo da Joana Amaral Dias).

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(*) O artigo contém uma imprecisão. A juiz-desembargadora Paula Guerreiro foi originalmente designada a relatora do processo. Porém, acabou a votar vencida e o relator passou a ser o seu colega, juiz-desembargador Pedro Vaz Patto.

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