14 fevereiro 2019

Uma Cultura de Verdade

A Política da Verdade a que me referi anteriormente (cf. aqui) é importante em todos os sectores da vida pública. Mas é mais importante nuns do que noutros.

O Programa da Iniciativa Liberal (cf. aqui) refere-se à Justiça, criticando e prometendo melhorar alguns males da Justiça em Portugal. O principal parece ser o da lentidão, mas junta-lhe outros como a inefectividade das decisões de primeira-instância e o processualismo (ou prevalência da forma sobre a substância).

Não é possível a Justiça ser rápida quando está baseada na mentira, e aos agentes da justiça se dá a liberdade de mentir em tribunal através de um estatuto de imunidade no exercício da sua profissão

Mentir é a pior ofensa que se pode cometer à Justiça porque a Verdade é a condição sine qua non da Justiça. Sem Verdade quem ganha em tribunal não é a Justiça, mas "o mais habilidoso" (cf. aqui).

Para um movimento liberal como a Iniciativa Liberal esta liberdade de mentir que é garantida aos agentes da Justiça devia ser um paradigma de reflexão acerca dos limites do valor da liberdade.

A liberdade é um valor humano importante, mas não é o mais importante de todos. O mais importante de todos é o valor da vida. A liberdade é apenas um valor intermédio ou instrumental para promover a vida humana.

Não é só a vida que está acima da liberdade. É também a verdade. É possível conceber a vida humana sem liberdade, mas ela é de todo impossível sem verdade. Basta imaginar como seria a nossa vida se todas as relações diárias de uns com os outros assentassem na mentira. Um homem pode aguentar uma vida num cárcere. Mas ele não vai conseguir sobreviver se lhe prometerem comida todos os dias e nada acontecer.

Se as decisões de primeira instância saídas de um tribunal português estão - ou é previsível que estejam - largamente baseadas na mentira, elas não podem ser vinculativas. A verdade demora tempo a vir ao de cima, e daí a necessidade de tempo e de recursos atrás de recursos até chegar à verdade (se é que, com a mentira como ponto de partida, alguma vez se chega lá).

O estatuto de imunidade foi concebido exclusivamente para os juízes, e não para eles mentirem porque não têm nenhum incentivo a fazê-lo. As razões são outras.

O estatuto de imunidade não foi é concebido de todo para os advogados (incluindo os magistrados do MP, que são advogados do Estado). Para estes, é um privilégio que mais nenhuma profissão tem e um privilégio ruinoso para a Justiça.

Retire-se aos advogados o estatuto de imunidade, restabeleça-se uma política de Verdade nos tribunais - que são o coração do poder judicial e este o poder mais importante da democracia - e metade dos problemas da Justiça em Portugal vão desaparecer.

"Uma Cultura de Verdade na Justiça" poderia ser um slogan político, de que o primeiro princípio seria "É proibido mentir em Tribunal" (uma proibição que presentemente se aplica ao povo - isto é, às testemunhas -, mas não à casta dos auxiliares da Justiça - advogados e procuradores do MP)

1 comentário:

zazie disse...

Completamente certo.
O perjúrio é gravemente punido na América, onde ainda se jura com a mão sobre a Bíblia. Em nome de Deus.

Quem mente em tribunal, mesmo sendo apenas uma testemunha, trama-se e a sério.

Por cá, todos mentem. É uma forma de "dizer e desdizer o que lhe vai na mente".
E tudo o que é dito e matéria factual apurada pela investigação (MP e polícias) pode não servir para nada se, depois, em tribunal, derem o dito por não dito.

Foi o que aconteceu no caso Casa Pia, por exemplo. E mais, e todos os que escapam ilesos. E a lentidão também deriva desta possibilidade de poderem mentir, protelar e depois recorrer durante anos e anos.

E em chegando ao topo, esbarram com os juízes nomeados pelo poder Político. E aí é como nas ditas questões de "inconstitucionalidades" - há sempre casuística para servir a quem querem servir.
E isso vai da Viúva ao denominador comum da boa da nossa política- cada vez mais geringonçada.