Eu gostaria agora de voltar ao caso de Salomão, que já aflorei antes, para ilustrar como hoje se resolve um processo-crime em Portugal quando a verdade deixou de interessar e os agentes da justiça têm inteira liberdade para mentir e praticar todas as artimanhas que desejem no exercício das suas respectivas funções sem que sejam responsabilizados por isso (estatuto de imunidade).
Começarei por recordar o caso na sua versão original. Duas mulheres apresentam-se perante Salomão ambas reclamando a maternidade de uma criança, uma acusando a outra de lhe ter roubado o filho. Salomão ouve as duas mulheres durante muito tempo, que lhe parecem igualmente credíveis.
Até que, sentindo-se incapaz de descobrir a verdade, resolve dizer às mulheres: "Como não sei qual é a verdadeira mãe, vou cortar a criança ao meio e dar metade a cada uma". É nessa altura, que uma das mulheres desata num pranto enquanto a outra permanece quase impassível. Estava descoberta a verdade. A primeira mulher é a mãe da criança. E Salomão entregou-lhe a criança inteira.
Hoje, as coisas passar-se-iam de maneira diferente. As duas mulheres não estariam lá diante do juiz. Pelo contrário, Salomão estaria rodeado por dois juristas, um advogado da ré (arguida), outro, magistrado do MP, representando a mulher que acusa. E as duas mulheres não estavariam lá porque depois da fase de interrogatórios, não têm mais função no processo. São obrigatoriamente representadas por juristas e tudo aquilo que elas possam dizer (incluindo a verdade, e sobretudo essa) já não interessa para nada.
Certo é que agora Salomão já não poderia utilizar aquela ideia genial de ameaçar cortar a criança ao meio porque nenhum dos juristas presentes é mãe da criança. E nenhum deles tem sequer a certeza de que a mulher que representa seja a verdadeira mãe da criança.
A decisão vai ser tomada pelo juiz rodeado de juristas apenas, estando ausente a pessoa a quem mais interessa a verdade (*).
Então, qual dos dois juristas - e como -, vai persuadir Salomão a decidir a seu favor?
É aqui que entra a mentira. A verdade já se tornou irrelevante e ausente há muito tempo desde que as duas mulheres foram afastadas do processo, e a sua representação passou a estar a cargo dos juristas. Qualquer dos juristas pode mentir à vontade e usar de todos os truques e artimanhas para persuadir Salomão.
Mas qual vai ter sucesso?
Aquele que no uso de todas as mentiras, truques, pequenas patifarias e artimanhas melhor consiga persuadir Salomão.
Eu procurei durante muito tempo a expressão adequada para descrever a personalidade deste jurista que, dentre os dois, e usando toda a parafernália de mentiras, insinuações, truques, artimanhas, falsos sentimentos, etc., acabará por cativar Salomão.
Decidi-me por esta: "O mais habilidoso patife".
É assim que se faz hoje "Justiça" em Portugal quando a verdade deixou de interessar e os agentes da justiça são livres de cometer toda a sorte de patifarias porque estão protegidos por um estatuto de imunidade.
Ganha "o mais habilidoso patife", o qual é necessariamente o advogado que representa a defesa ou o magistrado do Ministério Público que representa a acusação.
E o juiz? É uma das grandes vítimas deste sistema de "Justiça". Como pode ele chegar à verdade e fazer justiça, se está ladeado por dois institucionalizados mentirosos, cada um puxando para seu lado?
Não surpreende que os portugueses não acreditem na Justiça do seu país.
(*) Volte aqui e veja que no momento da decisão só estão presentes juristas. Para além da juíza, há mais três juristas, curiosamente dois pelo lado da acusação e uma só pelo lado da defesa. A pessoa a quem mais interessa a verdade foi afastada do processo e do momento da decisão pela própria juíza de instrução que a induziu em erro. Existe um faltoso, mas a esse a verdade é que não interessa mesmo nada, como à falsa mãe da criança no caso de Salomão.
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