(Tema: Terrorismo Judicial - O Caso do Guardião do Tejo)
Embora a jurisprudência do TEDH seja antiga e muito clara, ainda existem muitos casos em Portugal em que o réu, como o Arlindo Marques, acaba condenado e só depois de vários recursos, que podem chegar até ao TEDH, é considerado absolvido.
A razão é que muitos advogados portugueses, e bastantes juízes também (especialmente os de primeira instância), não conhecem a jurisprudência do TEDH.
A Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) foi assinada em 1950 pelos países democráticos europeus saídos da Segunda Guerra Mundial. Nessa altura, Portugal vivia sob um regime autoritário, que se prolongaria até 1974, de tal maneira que o país só viria a assinar a CEDH em 1976.
A maior parte dos juristas que, a partir de 1976, tinham de aplicar e interpretar as leis - incluindo a CEDH -, foram formados sob o regime autoritário de Salazar. Ora, neste regime, embora o direito à liberdade de expressão estivesse previsto no artº 8º da Constituição de 1933, na prática ele não existia porque a Censura (mais tarde, Exame Prévio) estava institucionalizada. O conflito entre o direito à liberdade de expressão e o direito à honra resolvia-se sempre em favor deste último.
A jusrisprudência do TEDH, reflectindo a cultura democrática dos países que subscreveram a CEDH, é exactamente ao contrário, fazendo prevalecer o direito à liberdade de expressão sobre o direito à honra.
Não surpreende que, formados numa jurisprudência que era oposta àquela que, a partir de 1976, passou a vigorar no país, os juristas portugueses tenham demorado a interiorizar a nova jurisprudência e os tribunais portugueses continuassem a condenar pessoas por ofensas - pessoas que, quando depois recorriam ao TEDH, eram absolvidas.
Embora a situação tenha melhorado apreciavelmente nos últimos anos, com os tribunais nacionais a aplicarem a jurisprudência do TEDH, e não mais a que prevalecia no Estado Novo, a verdade é que Portugal é o país mais vezes condenado no TEDH por violação do direito à liberdade de expressão dos seus cidadãos. Na prática, esta é uma condenação aos próprios juízes portugueses.
Uma decisão recente do TEDH, por envolver um caso extremo, ilustra a situação. O jornalista José Manuel Fernandes, então director do Público, num artigo de opinião publicado em 2006 proferiu afirmações que o então Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha do Nascimento, considerou ofensivas do seu bom nome, e foi processado por difamação.
O jornalista foi condenado em todas as instâncias pelos tribunais portugueses. Porém, quando o caso subiu ao TEDH foi absolvido, e o condenado passou a ser o Estado português (cf. aqui).
Nenhum dos juízes portugueses - na primeira instância e na Relação, já que o Supremo recusou julgar o caso - podia conceber que o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça pudesse ser ofendido na sua honra, e o autor não fosse condenado. Mas o TEDH considerou que pode porque o poder judicial está tão sujeito à crítica pública como qualquer outro poder ou figura pública (cf. aqui, parágrafo 7).
Este exemplo ilustra também quanto tempo (11 anos) o Arlindo Marques pode andar enredado em tribunais como parte da estratégia de terrorismo judicial engendrada pela sociedade de advogados Cuatrecasas contra ele.
Ao omitir na queixa que apresentaram no Tribunal de Santarém contra o Arlindo Marques qualquer referência ao TEDH e à sua jurisprudência, os advogados da Cuatrecasas podem estar somente a exibir a sua ignorância e a sua incompetência. Mas também podem estar a prosseguir um outro objectivo mais provável e mais requintadamente malicioso - o de procurar induzir o juiz em erro.
Sabendo que muitos juízes em Portugal ainda não conhecem a jurisprudência do TEDH, a omissão a esta jurisprudência ao longo de toda a queixa formulada pela Cuatrecasas e, previsivelmente, ao longo do julgamento, levará o juiz a julgar o caso segundo a jurisprudência tradicional no país, que é a que vem do Estado Novo.
Esta jurisprudência faz prevalecer o direito ao bom nome sobre o direito à liberdade de expressão e o Arlindo Marques será condenado. No dia seguinte, a Cuatrecasas e a Celtejo mandarão para os jornais a notícia: "Arlindo Marques condenado no caso Celtejo".
Nesse dia, a conclusão do público-leitor será óbvia: o Arlindo Marques é doido e a Celtejo trata muito bem o Tejo.
1 comentário:
"Mandarão para os jornais a notícia" Ora aí está: a única coisa de que estão à procura. Quando for absolvido, será sem chamadas de primeira página.
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