(Tema: Terrorismo Judicial - O Caso do Guardião do Tejo)
Se, à partida, se sabe que o Arlindo Marques não cometeu qualquer crime ou acto ilícito, como explicar esta litigância protagonizada pela sociedade de advogados Cuatrecasas, em nome da Celtejo, contra ele?
É litigância de má-fé, um ilícito previsto no artº. 542º do Código do Processo Civil (cf. aqui).
E, não tendo o Arlindo Marques, à face da lei e da jurisprudência vigentes, feito nada de mal, como justificar a indemnização de 250 mil euros que a Cuatrecasas lhe exige?
É o crime de extorsão previsto no artº. 223º do Código Penal português e que comporta uma pena que pode ir até 5 anos de prisão (cf. aqui).
É a partir do crime de extorsão que me proponho analisar os aspectos económico-financeiros do processo judicial que a Cuatrecasas formulou contra o Arlindo Marques, em particular:
(i) Quais os riscos económico-financeiros que o Arlindo Marques tem pela frente?
(ii) Quem ganha e quem perde com este processo judicial?
Pelo caminho, explicarei o percurso processual que o Arlindo Marques tem no horizonte, se não fôr absolvido em primeira instância, e um aspecto importante deste percurso, que é o recurso de última instância para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH).
Começarei com um exemplo a que já fiz referência no capítulo anterior - o caso que opôs o jornalista José Manuel Fernandes, então director do Público, ao juiz Noronha do Nascimento, então presidente do Supremo Tribunal de Justiça (cf. aqui).
O jornalista foi condenado em primeira instância. Em seguida, recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, onde a condenação foi confirmada, e ficou obrigado a pagar uma indemnização de 60 mil euros ao juiz. Ainda recorreu para o Supremo, mas este recusou-se a julgar o caso (provavelmente por estar envolvido o próprio presidente deste Tribunal).
Foi então que recorreu para o TEDH - um recurso que só é possível após estarem esgotados todos os recursos em tribunais nacionais. E com uma particularidade importante: o réu tem de cumprir a sanção que lhe foi fixada pelos tribunais nacionais. Por outras palavras, o jornalista teve de indemnizar o juiz em 60 mil euros.
Este é um risco em que o Arlindo Marques incorre no caso de ser condenado nos tribunais portugueses - o de ter de pagar uma indemnização à Celtejo - mesmo que depois o TEDH venha a determinar que ele não cometeu crime nenhum.
É que no TEDH correrá um processo diferente daquele que corre nos tribunais portugueses. Nestes, corre o processo "Celtejo vs. Arlindo Marques" ao passo que no TEDH vai correr o processo "Arlindo Marques vs. Portugal" em que o Arlindo Marques processa o Estado português por violação do seu direito à liberdade de expressão.
Voltando ao exemplo anterior, o jornalista José Manuel Fernandes ganhou o processo contra o Estado português no TEDH. O Estado foi obrigado a indemnizar o jornalista por todos os custos que ele tinha incorrido em ambos os processos. No final, a ironia é que o juiz Noronha do Nascimento ficou com os 60 mil euros que recebeu de indemnização, sem que o jornalista tivesse cometido qualquer crime contra ele.
O risco que enfrenta o Arlindo Marques é mais gravoso do que aquele que enfrentou o José Manuel Fernandes. O jornalista tinha um empregador generoso - o jornal Público - que pagou por ele a indemnização ao juiz. O Arlindo Marques, que é guarda prisional, tem como empregador o Estado português, que não vai mostrar igual generosidade.
Por isso, no caso de o assunto chegar ao TEDH, o Arlindo Marques vai ter de pagar do seu próprio bolso à Celtejo a indemnização que vier a ser fixada pelos tribunais portugueses. Ganhando o recurso no TEDH, para além de todos os custos em que tenha incorrido, será reembolsado deste valor. Mas, entretanto podem passar anos.
(No caso do José Manuel Fernandes, o TEDH não incluiu os 60 mil euros na indemnização em que condenou o Estado português, porque não tinha sido o jornalista a pagar a indemnização ao juiz, mas sim o seu empregador).
Em suma, o Arlindo Marques tem pela frente o seguinte risco, se fôr condenado nos tribunais portugueses - o de ter de pagar à Celtejo uma indemnização que pode ir até 250 mil euros, da qual só será reembolsado pelo Estado português dois ou três anos mais tarde quando o TEDH lhe der razão.
No final do processo, a Celtejo ficará com o dinheiro que o Arlindo Marques lhe terá pago. E serão os contribuintes portugueses, através do Estado, a indemnizar o Arlindo Marques pela injustiça (condenação) que os tribunais nacionais cometeram sobre ele.
O Arlindo Marques só tem a perder. Para além das custas judiciais e dos honorários do seu advogado, tem pela frente o risco de ter de pagar uma indemnização avultada que, no limite, pode ir até 250 mil euros, e só ser ressarcido dela anos depois.
A Celtejo pode ganhar ou perder. Do lado dos custos, enfrenta os honorários dos advogados da Cuatrecasas e as custas judiciais. Do lado dos proveitos, a indemnização que o Arlindo Marques eventualmente venha a ser condenado a pagar-lhe.
Só há um ganhador certo - é a sociedade de advogados Cuatrecasas. Esta, recebe os seus honorários da Celtejo, os quais, dada a capacidade financeira desta sua cliente, não hão-de ser baixos; e, eventualmente também, uma percentagem da indemnização que a Celtejo possa vir a receber do Arlindo Marques.
De todos os intervenientes neste processo, o mais interessado nesta litigância de má-fé contra o Arlindo Marques e no crime de extorsão que é cometido sobre ele, é a sua autora material - a sociedade de advogados Cuatrecasas.
O crime compensa.
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